sábado, março 18, 2006

A escola como instrumento de controlo e coerção

O que se espera das escolas, é que sejam instituições dedicadas à doutrinação e à imposição de obediência. Longe de criarem pensadores independentes, ao longo da história as escolas sempre tiveram um papel institucional num sistema de controle e coerção. E, uma vez convenientemente educado, o indivíduo foi socializado de um modo que dá suporte à estrutura de poder que, por seu lado, o recompensa generosamente. Vejamos o exemplo das Faculdades de Ciências. Aí os estudantes não se limitam a aprender matemática. Aprendem também o que é esperado de um graduado no que diz respeito ao seu comportamento e ao tipo de perguntas que nunca se devem fazer. Aprendem as subtilezas das recepções, as formas de se vestir mais adequadas e como falar com sotaque…E isto independente de haver instituições mais ou menos fechadas…Mas estão sempre subjugadas a um papel institucional de evitar uma boa parte da verdade acerca do mundo e da sociedade. Como não ensinam a verdade sobre o mundo, as escolas têm que martelar na cabeça dos estudantes até lhes impingir a propaganda sobre a democracia. Se as escolas fossem realmente democráticas, não seria necessário bombardear os estudantes com banalidades acerca da democracia. Estes agiriam e comportar-se-iam de uma forma simplesmente democrática, e nós sabemos que isso não acontece. Habitualmente, quanto maior é a necessidade de falar sobre os ideais da democracia, menos democrático é o sistema.A doutrinação é necessária porque as escolas são, de um modo geral, concebidas para apoiar os interesses do segmento dominante da sociedade, das pessoas detentoras da riqueza e do poder. Numa fase inicial da educação, as pessoas são socializadas de modo a compreenderem a necessidade de apoiar a estrutura do poder, com as corporações em primeiro plano – a classe empresarial. A lição aprendida na socialização através da educação é que se não se apoiar os interesses dos detentores da riqueza e do poder, não se sobrevive por muito tempo. É-se excluído do sistema ou marginalizado. E as escolas são bem sucedidas na "doutrinação da juventude" ao operarem num enquadramento propagandístico que consegue distorcer ou reprimir ideias e informações indesejáveis.A pretensão da objectividade enquanto meio de distorção e desinformação a serviço do sistema doutrinal deve ser firmemente condenada. Essa atitude intelectual é muito mais facilmente mantida nas ciências sociais, porque os constrangimentos impostos aos investigadores pelo mundo exterior são muito mais fracos. A compreensão é muito mais superficial e os problemas a analisar são muito mais obscuros e complexos. O resultado é que é muito mais fácil ignorar simplesmente coisas que não se quer ouvir. Existe uma diferença marcada entre as ciências naturais e as ciências sociais. Nas ciências naturais, os factos da natureza não deixam o investigador ignorar com tanta facilidade coisas que entrem em conflito com crenças favorecidas e é mais difícil perpetuar erros. Uma vez que nas ciências naturais as experiências são replicadas, é mais fácil expor os erros. Existe uma disciplina interna que orienta as diligências intelectuais. Ainda assim, não existe uma garantia clara de que mesmo a mais séria pesquisa conduza à verdade. Regressemos ao ponto inicial: as escolas evitam verdades importantes. É da responsabilidade intelectual dos professores – e de qualquer indivíduo honesto – procurar dizer a verdade. Isto não é, certamente, controverso. É um imperativo moral procurar e dizer a verdade, na medida das possibilidades, acerca de coisas relevantes, ao público certo. É uma perda de tempo dizer a verdade ao poder, no sentido literal das palavras, e o esforço de o fazer pode frequentemente ser uma forma de auto-complacência. Se e quando as pessoas que exercem o poder nas respectivas funções institucionais se dissociam do ambiente institucional e se tornam seres humanos, agentes morais, nessa altura podem juntar-se ao resto das pessoas. Mas não vale a pena dialogar com eles no seu papel de indivíduos detentores de poder. É um desperdício de tempo. Vale tanto a pena dizer a verdade ao poder quanto ao pior e mais criminoso dos tiranos, que também será um ser humano, independentemente de quão terríveis sejam as suas acções. Dizer a verdade ao poder não é uma vocação particularmente honrosa. Deve-se procurar um público que interesse. Para os professores, esse público são os estudantes. Estes não devem ser vistos como uma mera audiência, mas como fazendo parte de uma comunidade de interesse partilhado, na qual esperamos poder participar de um modo construtivo. Não devemos falar para, mas com. Isso é algo que já se tornou uma segunda natureza em qualquer bom professor, e também o deveria ser em qualquer escritor ou intelectual. Um bom professor sabe que a melhor maneira de ajudar os alunos a aprender é deixá-los descobrir a verdade por eles próprios. Os estudantes não aprendem por mera transferência de conhecimento através da memorização mecânica e posterior regurgitação. O verdadeiro conhecimento vem através da descoberta da verdade e não através da imposição de uma verdade oficial. Isso nunca conduz ao desenvolvimento do pensamento crítico e independente. Todos os professores têm a obrigação de ajudar os estudantes a descobrir a verdade e não suprimir informação e conhecimentos que possam ser embaraçosos para as pessoas ricas e poderosas que criam, concebem e fazem as políticas das escolas. A classe instruída tem sido denominada uma classe especializada, um pequeno grupo de pessoas que analisam, executam, tomam decisões e gerem as coisas nos sistemas político, económico e ideológico. A classe especializada é geralmente composta por uma pequena percentagem da população; eles têm de ser protegidos do grosso da população, a quem já chamaram de rebanho desnorteado. Esta classe especializada leva a cabo as funções executivas, o que significa que são eles que pensam, planejam e percebem os interesses comuns, que para eles são os interesses da classe empresarial. A grande maioria das pessoas, o rebanho desnorteado, devem funcionar na nossa democracia como espectadores, não como participantes na acção, de acordo com as crenças liberais democráticas. Na nossa democracia, de vez em quando é permitido aos membros do rebanho desnorteado participar na aprovação de um líder através daquilo a que chamamos eleição. Mas, uma vez confirmado um ou outro membro da classe especializada, devem retirar-se e voltar a ser espectadores. Quando o rebanho desnorteado tenta ser mais do que simples espectadores, quando as pessoas tentam tomar-se participantes nas acções democráticas, a classe especializada reage àquilo que chama crise de democracia. E por isso que existiu tanto ódio entre as elites dos anos 1960, quando grupos de pessoas que historicamente sempre foram marginalizadas se começaram a organizar e a interferir com as políticas da classe especializada. Uma das formas de controlar o rebanho desnorteado é seguir a concepção das escolas enquanto instituições responsáveis pela doutrinação dos jovens. Os membros do rebanho desnorteado devem ser profundamente doutrinados nos valores e interesses corporativos privados e controlados pelo Estado. Aqueles que são bem sucedidos em instruir-se nos valores da ideologia dominante e que provam a sua lealdade ao sistema doutrinal podem tornar-se parte da classe especializada. O resto do rebanho desnorteado deve ser mantido na linha, longe de problemas e mantendo-se sempre, quando muito, espectadores da acção e distraídos das verdadeiras questões que interessam. A classe instruída considera-os demasiado estúpidos para gerirem os seus próprios assuntos, e por isso precisam da classe especializada para se assegurarem de que não terão a oportunidade de agir com base nos seus equívocos. Para proteger o rebanho desnorteado de si próprio e dos seus equívocos, numa sociedade aberta a classe especializada precisa de se virar cada vez mais para a técnica da propaganda, para a qual se usa o eufemismo relações públicas. Por outro lado, em estados totalitários o rebanho desnorteado é mantido no lugar por um martelo que paira sobre as suas cabeças, e se alguém se desvia, tem a sua cabeça esmagada. Uma sociedade democrática não se pode apoiar na força bruta para controlar a população. Por isso, é preciso confiar mais na propaganda como forma de controlar a mente pública. A classe instruída toma-se indispensável na diligência de controlo da mente e as escolas têm um papel importante neste processo.Aquilo que se chama de auto censura começa em muito tenra idade, através de um processo de socialização que é também uma forma de doutrinação que funciona contra o pensamento independente, em favor da obediência. As escolas funcionam como um mecanismo para essa socialização. O objectivo é evitar que as pessoas façam as perguntas que interessam acerca de questões importantes que as afectam directamente, a elas e a outros. Nas escolas não se aprendem apenas conteúdos. Como já mencionei, se quiser tornar-se um professor de matemática, não basta aprender muita matemática. Adicionalmente é preciso aprender como se comportar, como se vestir de um modo apropriado, que tipos de questões podem ser levantadas, como encaixar ou seja, como se adaptar, etc. Se mostrar demasiada independência e questionar o código da sua profissão com demasiada frequência, o mais provável é ser excluído do sistema de privilégios. Assim, rapidamente aprende que, para ter êxito, tem que servir os interesses do sistema doutrinal. Tem que ficar calado e instilar nos seus estudantes as crenças e doutrinas que servirão os interesses daqueles que detêm o verdadeiro poder. A classe empresarial e os seus interesses privados são representados pelo elo estado - empresa. Mas as escolas estão longe de ser o único instrumento de doutrinação. Outras instituições se conjugam para reforçar o processo de doutrinação. Vejamos aquilo que nos impingem pela televisão. Pedem-nos para assistirmos a um conjunto de programas vazios, concebidos como entretenimento, mas desenhados para desviar a atenção das pessoas dos seus verdadeiros problemas ou de identificarem as fontes dos seus problemas. Assim, esses programas vazios socializam o espectador, para que se torne num consumidor passivo. Uma das formas de gerir uma vida frustrada é comprar cada vez mais coisas. Os programas exploram as necessidades emocionais das pessoas e mantêm-nas desligadas das necessidades dos outros. A medida que os espaços públicos se desintegram, as escolas e os poucos espaços públicos que restam trabalham para tornar as pessoas boas consumidoras.Esta forma vazia de entretenimento encoraja as pessoas a submeterem-se e deixarem-se guiar essencialmente pela emoção e pelo impulso. O impulso é consumir mais, ser um bom consumidor. Nesse sentido, os meios de comunicação social, as escolas e a cultura popular dividem-se entre aqueles que possuem racionalidade, e são os que planejam e tomam as decisões na sociedade, e o resto das pessoas. E para terem sucesso, aqueles que possuem racionalidade e se juntam à classe especializada têm que criar ilusões necessárias e maniqueísmos emocionalmente potentes, de acordo com as palavras de alguns, para proteger o rebanho desnorteado da importunação da complexidade dos problemas reais, que de qualquer modo não conseguiriam resolver.
O objectivo é manter as pessoas isoladas das verdadeiras questões e umas das outras. Qualquer tentativa de organizar ou estabelecer ligações com o colectivo tem de ser esmagada. Tal como nos estados totalitários, a censura é muito real nas sociedades abertas, apesar de assumir formas diferentes. Perguntas que são ofensivas ou embaraçosas para o sistema doutrinal são interditadas. As informações inconvenientes são suprimidas. Não é preciso ir muito longe para se chegar a esta conclusão, basta analisar de uma forma honesta aquilo que é noticiado nos meios de comunicação social e aquilo que é deixado de fora; tentar entender honestamente qual a informação permitida nas escolas e qual a proibida. Qualquer pessoa com uma inteligência média consegue perceber como os meios de comunicação social manipulam e censuram a informação que consideram inconveniente. Pode dar algum trabalho descobrir as distorções e a ocultação da informação. Mas a única coisa que é preciso é o desejo de conhecer a verdade. Para isso basta a vontade de utilizar a mesma inteligência e bom senso que utilizam ao analisar e dissecar as atrocidades cometidas pelos outros potenciais inimigos. Se as escolas estivessem ao serviço do público em geral, estariam fornecendo às pessoas técnicas de auto-defesa, mas isso significaria ensinar a verdade acerca do mundo e da sociedade. Iriam dedicar-se com mais energia e aplicação exactamente ao tipo de coisas que estamos discutindo, de modo que as pessoas que cresceram numa sociedade aberta e democrática desenvolveriam técnicas de auto-defesa, não só contra o aparelho propagandístico das sociedades totalitárias controladas pelo Estado, mas também contra o sistema privatizado de propaganda, que inclui as escolas, os meios de comunicação social, a imprensa que determina o que está na ordem do dia e as revistas intelectuais, que essencialmente controlam o empreendimento educativo. Aqueles que exercem o controle sobre o aparelho educativo deveriam ser referidos como uma classe de comissários. Comissários são os intelectuais que trabalham em primeira linha para a reprodução, legitimação e manutenção da ordem social dominante, da qual colhem benefícios. Os verdadeiros intelectuais têm a obrigação de buscar e dizer a verdade acerca de coisas que são importantes, coisas significativas. Qualquer escola que tenha de impor o ensino da democracia já é suspeita. Quanto menos democrática é uma escola, mais necessidade tem de ensinar ideias democráticas. Se as escolas fossem realmente democráticas, no sentido de oferecerem às crianças as oportunidades de terem a experiência da democracia na prática, não sentiriam a necessidade de as doutrinar com lugares-comuns sobre a democracia. O verdadeiro ensino democrático não gira em torno da instilação do patriotismo ou da memorização mecânica dos ideais da democracia. Nós sabemos que os estudantes não aprendem dessa maneira. A verdadeira aprendizagem ocorre quando os estudantes são convidados a descobrir por eles próprios a natureza da democracia e o seu funcionamento. A melhor maneira de descobrir como funciona uma democracia funcional é praticá-la. Uma boa medida do funcionamento de uma democracia nas escolas e na sociedade é o grau de aproximação entre a teoria e a realidade, e é sabido que tanto nas escolas como na sociedade existe um grande abismo entre as duas. Em teoria, numa democracia todos os indivíduos podem participar em decisões que têm a ver com as suas vidas, determinando como são obtidos e utilizados os recursos públicos, que política externa a sociedade deveria seguir e assim por diante. Um teste simples mostrará o abismo entre a teoria, que diz que todos os indivíduos podem participar nas decisões que envolvem as suas vidas, e a prática, em que o poder concentrado pelo governo funciona como um limitador da capacidade dos indivíduos e grupos de gerirem os seus próprios assuntos ou, por exemplo, de determinarem a forma da política externa que querem adoptar. As histórias oficiais raramente transmitem uma imagem exacta do que está a acontecer. As histórias oficiais também não criarão as estruturas para desvendar a verdade. Uma educação que busca um mundo democrático deveria fornecer aos estudantes as ferramentas críticas para fazer as ligações que desvendariam as mentiras e os enganos. Em vez de doutrinar os estudantes com mitos democráticos, as escolas deveriam envolvê-los na prática da democracia.O mito de que vivemos numa sociedade sem classes é uma farsa, mas um em que a maioria das pessoas acredita. O próprio discurso académico aponta para a ausência de consciência de classe. Apesar de nos meios de comunicação social se encontrar o termo classe trabalhadora e também classe média nunca se vê mencionada uma classe dominante ou classe alta. As escolas sempre estiveram ao serviço da manutenção deste mito.

http://www.resistir.info/varios/chomsky_educacao.html

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