sexta-feira, março 31, 2006

A OPA da Sonae sobre a PT-Telecom:O que é, porque razão foi possível, que consequências e objectivos?

Cerca de 74,2% do capital da PT já se encontra em mãos de estrangeiros. Para além disso, o grupo Estado, representado pela CGD e pelo Instituto de Participações Financeiras do Estado, possui apenas 7,02% do capital da PT. Esta situação, resultante de um processo de privatização em que a defesa dos interesses de desenvolvimento do País e de uma empresa estratégica estiveram totalmente ausentes, ligada ainda ao facto da dispersão do capital por múltiplas entidades que estão mais interessadas em ganhar dinheiro do que numa orientação estratégica que coloque esta grande empresa ao serviço do País, criou as condições que tornaram possível a OPA contra a PT.

Embora a OPA da Sonae ainda não se tenha concretizado, a PT já está a sofrer consequências, estando a sua gestão bloqueada em muitos aspectos. Assim, como consta do ponto 11 do anúncio da OPA, a Sonae, apoiando­‑se numa interpretação alargada do art.º 181 do Código de Valores Mobiliários, pretende que a administração apenas se limite à gestão corrente, dita “gestão normal”.

O desmembramento da PT, através da venda de alguns dos seus mais importantes activos (rede de cobre ou de cabo; venda de participações internacionais, fusão da TMN e Optimus, etc.), que faria a PT desaparecer, eventualmente até o nome, parece ser o grande objectivo da Sonae, pois assim eliminaria o seu concorrente mais importante na área das telecomunicações. Este desmembramento tornaria certamente inviáveis, sob o ponto de vista económico e financeiro, áreas importantes da empresa para o desenvolvimento do País e para a prestação de um serviço público, nomeadamente aquelas em que estão afectos mais trabalhadores (ex.: inovação, rede fixa). Este desmembramento, que se traduziria pela venda de activos importantes da PT, também seria imposta pela lógica financeira férrea, já que a Sonae com a concretização da OPA ficaria altamente endividada (mais de 15.000 milhões de euros), a que se juntariam as dívidas da PT de muitos milhões. E, para cumprir os compromissos resultantes de tais dívidas com aquela dimensão, a Sonae teria de vender activos importantes da PT.

Para além do serviço público que presta e da inovação que impulsiona, os trabalhadores também poderiam ser gravemente afectados pelo desmembramento da PT. E isto porque podia suceder que os novos proprietários, com o objectivo de “rentabilizar” áreas de negócio que hoje funcionam apoiadas nas áreas mais rentáveis, procedessem a elevados despedimentos, e que pudessem surgir dificuldades para pagar a dívida de cerca de 2.400 milhões de euros (480 milhões de contos) que a PT tem ao Fundo de Pensões, que assegura o pagamento de pensões aos seus trabalhadores, e garantir o financiamento do Plano de Saúde, pois as áreas com mais trabalhadores são as consideradas, sob o ponto de vista económico e financeiro, como as menos rentáveis. .

É ainda possível aos accionistas da PT e principalmente ao Estado impedir que a OPA avance, e defender esta empresa estratégica para o desenvolvimento do País . Para isso basta que não aprovem na Assembleia Geral a possibilidade que um accionista, exercendo actividades concorrentes com a PT como é a Sonae, possa ter mais de 10% do seu capital como permite o art.º 9 dos Estatutos da PT. Igualmente, de acordo com o art.º 14 dos mesmo Estatutos, o Estado, sozinho, pode impedir essa aprovação com base no poder que decorre das acções da categoria A, ou seja, da chamada golden share que possui.
Finalmente, há ainda um outro aspecto importante que tem passado despercebido à opinião pública e aos media. Alguns órgãos de comunicação divulgaram que se a OPA se concretizasse os principais accionistas actuais iriam obter uma mais­‑valia de 5.000 milhões de euros, ou seja, de 1.000 milhões de contos. O que ninguém ainda referiu é que, se isto for verdade, este “lucro” de 1.000 milhões de contos não pagará nada de impostos. É uma espécie de euromilhões multiplicado muitas vezes. E isto porque, de acordo a alínea a) do n.º 2 do art.º 10º do Código do IRS estão excluídas do pagamento de impostos «as mais­‑valias provenientes da venda de acções detidas pelos seus titulares mais de 12 meses». A injustiça fiscal que existe em Portugal é mais uma vez flagrante e chocante.


http://resistir.info/portugal/opa_pt_sonae.html

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