sábado, abril 22, 2006

A decadência da classe política

É possível perceber por toda parte uma inexorável decadência da classe política. Existe uma correlação estreita entre esse processo e a correspondente decadência da classe trabalhadora, bem como, do estreitamento do poder do Estado nacional.
Os meios de comunicação não nos cansam de brindar com o “espectáculo da corrupção” proporcionado pelo governo Lula e do Partido dos Trabalhadores. O PT, anteriormente um partido tido como exemplo de “ética na política” parece ter adoptado, em poucos meses, praticamente todas as mais abomináveis práticas da política com “p” minúsculo.
Aquela parte da esquerda que não se “converteu” ao neoliberalismo e nem aderiu ao “pragmatismo” do aparelhamento, do “caixa 2” e dos “mensalões”, lança irada a acusação de traição. A velha “direita”, fora do poder, esbraveja contra as praticas que sempre usou por décadas.
Estamos em meio a já antiga novela das CPI, com seus depoimentos absurdos e contradições risíveis. As revelações bombásticas de secretárias, motoristas e doleiros. As confissões chorosas de escroques de todos os tipos.
Hoje vemos o paradoxo da “direita” condenando indignada, as práticas que sempre a caracterizaram, ao mesmo tempo em que defende “ideologicamente” todo o programa económico do governo “esquerdista”.
Do outro lado, líderes empresariais e do comércio, se aliam aos segmentos mais radicais da esquerda em sua condenação a “submissão ao FMI”, as metas de superávit primário, e a política de juros altos, que apenas favoreceria aos “banqueiros”.
O que estaria acontecendo? A resposta não é simples. Inclusive porque isso acontece no mundo todo, e não apenas no Brasil. Mas podemos nos aventurar a apontar pelo menos duas causas prováveis para o quadro de “esquizofrenia” política em que vivemos.
A primeira é a inexorável decadência da classe trabalhadora sob o novo paradigma tecnológico, gerencial e económico, derivado do processo da globalização. O segundo tem relação com a tendência irresistível dos Estados nacionais para a irrelevância.
A consequência disso é uma decadência irreversível do que chamaríamos de “classe política”. Não estamos querendo dizer que ocupantes de cargos executivos e legislativos estão condenados ao desemprego. O que queremos provar é que seu poder de decisão é cada vez menor, e tende a mais completa insignificância.
Na realidade a maioria dos partidos políticos já percebeu isso. Basta ver os programas do “horário político” para notar que na verdade nenhum partido de fato “toma partido” sobre coisa alguma.
Todos parecem se apresentar como “administradores” bem sucedidos, falando apenas de suas “realizações”. É tudo incrivelmente idêntico ao tradicional “currículo” apresentado por executivos quando pleiteiam um cargo em alguma empresa privada.
Alguns exemplos: Ninguém é contra ou a favor do direito ao aborto, todos são a favor da “protecção à mulher”. Não existem políticos contra ou a favor da pena de morte, todos são a favor da “segurança” dos cidadãos de bem. Ninguém discute a questão da mudança da idade de responsabilidade penal. Todos defendem as “crianças e os adolescentes”.
Foi incrivelmente sintomática, a absoluta ausência de políticos individuais ou partidos nas campanhas do “sim” e do “não”, no último plebiscito sobre o comércio de armas de fogo e munições. Como de costume, foram grupos da “sociedade civil” e lobistas que se mobilizaram dos dois lados.
Todos os políticos procuram posições “firmemente em cima do muro”. Todos querem mais habitações, mais empregos, melhores salários, mais infra-estrutura, etc. Por outro lado todos condenam a “carga tributária” excessiva e abominam taxas de qualquer tipo.
Nenhum político defende a redução de gastos do governo. Ninguém propõe a racionalização e redução da burocracia e nem a revisão nos valores de aposentadorias milionárias e outros “direitos adquiridos”. Mas todos concordam que o governo “gasta mal” o dinheiro do contribuinte.
A realidade é que o lugar dos partidos políticos vem sendo ocupado cada vez mais pelas “organizações não governamentais” as “ONG”. Na realidade são elas que “tomam partido” em qualquer questão. Seja a discussão do “casamento gay” até a defesa dos direitos dos animais, são essas organizações que se “politizam”, enquanto os políticos “de verdade” tornam-se meros “gestores” administrativos, sem nenhuma opinião sobre nada.
Isso decorre da própria lógica de formação dos partidos políticos. Nunca se viu um partido “dos banqueiros” ou “dos industriais”, ou um partido “dos latifundiários do Brasil” ou o “Partido Nacional dos Patrões”. Essas classes participam da política através de seus respectivos representantes, que alegam falar em nome do “interesse maior” da classe trabalhadora. Esses são os partidos de “direita”.
Os intelectuais de todo tipo, engajados em um real enfrentamento com essas classes, procuram se identificar com as classes trabalhadoras e tornar-se suas “vanguardas”. São os partidos de “esquerda”.
Mas a questão crucial é que ambos representavam interesses nacionais. Fossem “classes dominantes” ou “classes trabalhadoras”, o objectivo era a obtenção do poder do Estado em prol dos interesses locais, muitas vezes antagónicos aos interesses internacionais.
Com o advento da globalização, a classe trabalhadora entrou em decadência, entre outras coisas, porque fica confinada às fronteiras nacionais. As “classes produtoras”, por sua vez, se libertaram da necessidade premente da protecção dos seus respectivos Estados nacionais.
Em outras palavras, os políticos não podem mais contar com o controle que exerciam sobre as classes trabalhadoras pela simples razão de que essas tendem a se pulverizar através dos processos de “reengenharia” da produção capitalista em todo mundo.
Aos poucos a classe trabalhadora vai deslizando para a “informalidade”, para o trabalho precário, em tempo parcial, ou por “conta própria” e a velha “consciência de classe” desaparece por completo, substituída por interesses conflituantes.
Mais ou menos a mesma coisa ocorre com as “classes produtoras”. Elas agora dividem seus interesses por vários países e actuam em múltiplos mercados. Perderam o interesse no controle e na mediação exercida sobre os trabalhadores pela classe política.
Por outro lado, a margem de manobra dos governos nacionais é cada vez menor. Mesmo para os países “centrais”, os governos estão completamente “atados” por tratados, acordos e sistemas liderados por vários organismos internacionais.
Isso explica também porque um partido que chega ao poder, independente de sua “coloração”, limita-se a seguir políticas já traçadas e a cumprir metas pré-estabelecidas. Tudo que de fato tem importância real já foi a muito decidido. Resta ao político apenas demonstrar competência para um pequeno “ajuste fino”.
O que sobra não passa de meras acções paroquiais e programas assistencialistas. Já vai longe o tempo em que o poder sobre o Estado significava oportunidades ilimitadas para o exercício do poder pessoal do governante e de seu partido.
O futuro da classe política será o de simples executores de programas e metas traçadas a nível global. Serão apenas executivos, substituíveis sempre que forem pegos com dólares em contas no exterior, ou em casos extremos, na cueca. Mas devidamente mantidos e prestigiados sempre que o “mercado” ameaçar ficar “nervoso”. É simples assim.


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