terça-feira, abril 25, 2006

O capitalismo é um modelo incapaz de enfrentar a crise do trabalho no sistema de produção de mercadorias.

O mundo vive uma nova revolução científico tecnológica que possibilita, a cada dia, níveis mais altos de super-produção ao mesmo tempo que torna obsoleta grande parte das actividades produtivas do planeta, dispensando um volume cada vez maior de força humana de trabalho, restringindo, assim, os mercados consumidores. O trabalho, no sistema de produção de mercadorias, entrou em crise, sendo reorganizado em volume e em qualidade em função das inovações tecnológicas. Tal crise que afecta o trabalho, também envolve o enfraquecimento de mercados consumidores e a fragilização das economias dos diversos países que vem perdendo sistematicamente a concorrência comercial. A crise económica que se iniciou pelos países do Terceiro Mundo nos anos 80, chegou aos países ricos na década seguinte. Um número cada vez maior de países está diminuindo a capacidade aquisitiva das massas, limitando-se a maior parcela do consumo global a sectores cada vez menores. Relatórios do Banco Mundial afirmam que o aumento do número de pobres no mundo todo nos anos 90 é um dos problemas mais graves a ser enfrentado: 73% da população mundial detém apenas 15% da riqueza produzida no planeta. Isso se agrava cada vez mais em razão do progressivo aumento do desemprego, que na Espanha atinge a casa dos 20%, enquanto na França, Itália, Canadá gira em torno de 10% e na Alemanha e Inglaterra na faixa de 8%. As empresas gigantescas no mundo todo promovem um processo de readequação envolvendo racionalização de custos a fim de aumentar a produtividade com menos gastos para enfrentar as concorrentes. Em razão disso, a IBM demitiu mais de 20.000 funcionários nos últimos anos; a G.M. que amargou um prejuízo de 4,5 biliões de dólares em 1991, definiu então um programa que previa, em quatro anos, eliminar 74 mil empregos e fechar 12 fábricas até 1995, a fim de voltar a obter lucro, tornando-se mais competitiva. Este processo de modificações na economia capitalista vem agravando cada vez mais a exclusão que é sempre inerente ao capitalismo. Inicialmente eram apenas bairros e periferias isolados que ficavam excluídos na marginalidade, transformando-se em focos de revoltas potenciais, essas regiões existem em maior ou menor medida em todos as sociedades ocidentais; depois cidades e regiões inteiras foram engolidas no quadro da marginalidade dos movimentos do capital que se concentra em certas regiões com processos produtivos cada vez mais complexos, que resultam em mercadorias que serão levadas aos pontos mais distantes do globo numa disputa por mercados; agora já são países inteiros que estão a falir e se tornam casos sociais mundiais, têm dívidas externas impagáveis, não possuem significativos processos produtivos e de exportação que permitam pagá-las e, por fim, possuem um mercado consumidor cada vez mais pobre e uma infra-estrutura que está antiquada rapidamente em função de não suportar as inovações tecnológicas, o que não atrai empreendimentos externos. Há uma crise de dívidas internacionais que se ampliam com o financiamento pelos países superavit das importações pelas economias deficitárias. Alemanha e Japão emprestam dinheiro pelo qual recebem juros e que, especialmente, possibilita aos países devedores comprarem os produtos que os mesmos países credores exportam. Sem esse financiamento ocorreria uma crise mundial. A gravidade da situação pode ser percebida considerando-se indicadores da dívida externa e da balança comercial dos países.
A dívida externa da América Latina em 1992 - conforme dados do Banco Mundial, Bancos Credores e FMI - girava em torno de 1,35 triliões de dólares. O pagamento de seus juros e serviços anuais é em média conforme dados da UNICEF, 178 biliões de dólares -- sendo que bastaria apenas 2,5 biliões para reduzir pela metade o número de 40 mil crianças que morrem por dia de fome, diarreia, tétano e sarampo na América Latina. Por outro lado, analisando a balança comercial dos diversos países percebemos objectivamente os dados que suportam a análise precedente, mostrando a maioria em condição deficitária, ao passo que Japão e Alemanha mantém superávits. Em 1992, por exemplo, era esta a situação da balança comercial de alguns países: Estados Unidos -84,50 biliões; Reino Unido -24,60 biliões; Itália -10,00 biliões; França -4,00 biliões; México -20,00 biliões; Argentina -2,96 biliões; Japão +107,06 biliões; Alemanha +21,00 biliões. Neste quadro complexo da economia contemporânea, títulos e outros papéis que circulam como capital fictício e o conjunto dos capitais acumulados que não tem como ser reinvestidos na produção em razão da carência de mercado, acabam investidos em mercados especulativos onde os movimentos de concorrência ampliam ainda mais o valor virtual desses capitais. Entretanto, este movimento que possui curva ascendente em um determinando momento, terá também seu movimento de declínio, conforme analisa Robert Kurz. Assim, quanto mais as dívidas se tornarem impagáveis, tanto mais se recorrerá a venda de acções e imóveis para garantir o seu pagamento e maior será a velocidade em que a especulação entrará em colapso, trazendo consigo uma crise no crédito e na economia mundial. O modelo capitalista, portanto, não é o fim da história. Pelo contrário, as alterações na cadeia produtiva e a concentração do capital mostram que a economia está oligarquizada em movimento de rápidas transformações sob os imperativos dos mega conglomerados que esquadrinham o mundo sob seus interesses e que possuem no capitalismo um eficiente instrumento para convencerem os países a adoptarem um conjunto de políticas que favorecem a esses mesmos grupos económicos. Dentre as mudanças que se verificam em toda o processo produtivo podemos, rapidamente, destacar a aceleração do movimento de concentração do capital, as alterações na cadeia produtiva, as facilidades com que os grandes grupos preservam os seus interesses e o fim do mito da livre concorrência com as tendências de oligarquizada e com as inúmeras parcerias entre concorrentes. A concentração do capital é notória mundialmente. Em vários segmentos da economia existem menos de 6 empresas que dominam 80% do total da produção do sector. Elevados índices de concentração encontram-se nos sectores de pneus, café, refrigerantes, chá, cacau, cerveja, etc. Tomemos como exemplo o caso da produção de pneus. Há dez anos, entre as dez maiores empresas de pneus do mundo, quatro eram originalmente americanas: Firestone, Goodyear, Uniroyal, Goodrich. Neste período, a Firestone foi comprada pela Bridgstone, do Japão; a Uniroyal comprada pela Michelin, da França; a Goodrich comprada pela Continental, da Alemanha; somente a Goodyear ainda resiste. Assim, se em 1985 eram dez as empresas que controlavam 80% da produção de pneus no mundo, em 1992 apenas três empresas já dominavam 60% da produção total de pneus. No caso da cadeia produtiva que envolve cultivo, comércio, transformação, industrialização e consumo ocorrem alterações no processo de concentração de capital nos segmentos da cadeia. Na Europa e nos Estados Unidos, verifica-se uma concentração em cadeias de supermercado. Tenha-se como exemplo que na França 40% do sector está dominado pelo grupo Carrefour; já na Suiça 50% vendas de alimentação em supermercados está sob controle do grupo Micros. Contra o mito capitalista da concorrência, ocorre uma real cooperação entre essas cadeias. Assim, por exemplo, elas juntam-se para comprar café e se tornam grande cliente da Nestlé, pressionando os preços para baixo. Esta, por sua vez, busca reduzir os custos da produção, pressionando os produtores, que passam a diminuir custos com funcionários, etc. Por outro lado, as empresas desenvolvem um macro planeamento estratégico, mudando áreas de actuação e redefinindo sua inserção no mercado. Um exemplo disso é Philip Morris. Esta empresa até 1978 apenas actuava com cigarros. Em função de pesquisas sobre a tendência de queda ténue e prolongada de consumo de cigarros, decidiu diversificar o ramo de actuação, passando a actuar com alimentos. Em 1978 comprou cervejaria Muller, a segunda maior dos Estados Unidos; em 1986 comprou a General Food, então a maior empresa de café do mundo, por uma cifra de 6 biliões de dólares; em 1988 comprou a Kraft, que trabalha com leite e seus derivados, queijo, manteiga, etc, por 12,5 biliões; em 1990 comprou a Jacobs Suchard que atua com café e chocolate por 5 biliões. Actualmente a Philip Morris detém 30% do comércio de café do mundo e 12 fábricas na Europa que se unifica. O número dessas fábricas vai diminuir em razão da modernização, ocorrendo intensificação da jornada de trabalho e desemprego. A empresa busca comprar o café directamente do produtor e por preços baixos. Para garantir que continuem baixos ela estimula a produção de café em outras regiões do mundo. Com o aumento da produção, os preços caem; isso significa que ocorre uma exploração maior dos assalariados e uma diminuição do lucro dos pequenos produtores. Ainda com o mesmo objectivo, estimula países a aumentarem a produtividade, com a implantação de programas de modernização agrícola em parceria com governos locais, promovendo o uso de insumos, etc.
Sob as pressões deste processo de "livre-concorrência", de concentração e internacionalização do capital, sob imperativos muito mais económicos que políticos, vão se formando nas últimas décadas deste século alguns mega mercados, verificando-se uma peculiar Regionalização do Mundo. A partir de 1980, as empresas europeias passam a sofrer enorme desvantagem em relação às empresas americanas e japonesas, em função de que Estados Unidos e Japão dispunham de um significativo mercado unificado. A Europa Ocidental, por outro lado, dividida em 12 países com diversidade de cultura, costumes e, especialmente, legislação, normas técnicas diferentes e barreiras alfandegárias, era um mercado de difícil penetração para as próprias empresas europeias. Assim, por exemplo, com inovações tecnológicas em algumas fábricas da Philips no Estados Unidos, era possível produzir para um amplo mercado de todo o país, ao passo que na Europa era necessário implantar fábricas em diversos países, multiplicando gastos, para fazer frente às normas técnicas ou outras barreiras alfandegárias. Como aqueles pequenos países não tinham mercado amplo para sustentar a concorrência dessas empresas com as americanas ou japonesas, a alternativa era deslocar as fábricas rumo aos grandes mercados, potencialmente, fortes consumidores. Assim, as empresas europeias automobilísticas e electrónicas, pressionadas pela concorrência com EUA e Japão começam a pressionar pela unificação da Europa. Em seguida empresas de outros sectores adoptam a mesma posição como a Nestlé e a Unilever. Em 1984 um organismo que representa as industrias europeias elabora uma lista de reivindicações exigindo a unificação da legislação e liberação no continente das fronteiras internas, possibilitando o fluxo livre do capital, formam um lobby em torno deste programa e ameaçam investir fora da Europa se suas reivindicações não fossem atendidas. Em 1985 aquele conjunto de medidas se transforma na política oficial da Comunidade Económica Europeia, sendo implantadas progressivamente um conjunto de mudanças para realizar os objectivos propostos. O que importa assinalar é que a iniciativa de formar os blocos mundiais partiu das empresas e não dos governos, embora os governos reportem ao Tratado de Roma, em 1957, como o momento oficial do início do processo de integração da Comunidade Económica Europeia. Em outras regiões do hemisfério, as multinacionais originariamente japonesas e americanas acompanhavam estes acontecimentos com preocupação. Percebendo o que a unificação do mercado europeu significava na concorrência internacional entre os diversos capitais e desenvolvimentos de tecnologia e o que politicamente significava esta iniciativa em um cenário de pós-guerra fria, Estados Unidos e Japão buscam também aumentar seus mercados. Em 1989 têm-se o início da formação de um bloco entre Estados Unidos e Canadá, com acordo de livre comércio entre aqueles países, sendo posteriormente integrado o México, estando em negociações outras integrações. O Japão, por sua vez, também vai formando o seu bloco. O mesmo acontece com outras economias em outras regiões do mundo.
Frente a tudo isso pode-se afirmar com segurança que o capitalismo é incapaz garantir um reordenamento da sociedade, que atravessa esse período de profundas transformações económicas, políticas e culturais, assegurando objectivamente o exercício da liberdade a cada ser humano. Suas medidas, que não conseguem enfrentar a crise do sistema mundial de produção de mercadorias que promove um desemprego generalizado, favorecem a concentração de riqueza em grupos económicos e em certas regiões estratégicas, desmantelando o poder do Estado em intervir na economia em função de interesses públicos. A crise que se abateu sobre o modelo desenvolvimentista do Terceiro Mundo, sobre o socialismo soviético e a social-democracia europeia, também passa a atingir as economias dos países que mais defendem o capitalismo, como Estados Unidos e Grã-Bretanha. O capitalismo se impõe muito mais como exigência dos agentes económicos interessados em aumentar seus lucros do que como alternativa política para realização de interesses sociais elementares como poder trabalhar e poder consumir como seres humanos. Frente aos movimentos de concentração de capital e de exclusão social na actual economia globalizada -- acentuados pelas próprias políticas capitalistas exigidas aos ajustes económicos nacionais como condição de financiamento das dívidas por organismos internacionais, o projecto político capitalista se mostra objectivamente incapaz de orientar a superação dessa crise que vai jogando na pobreza a maior parte da população mundial.

http://www.milenio.com.br/mance/quatro.htm

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