terça-feira, outubro 31, 2006

O Programa Ideal

Esta pode ser a última vez que escrevo. Num daqueles lampejos de genialidade que ocorrem uma vez a cada cem anos, caiu-me no alto da cabeça, qual maçã de Newton, a receita infalível para fazer o programa de televisão ideal para o público português. E isso far-me-á rico. Muito rico. Suficientemente rico para passar o resto da vida a viver em Beverly Hills, ocupando o tempo a entrevistar candidatos ao cargo de passeador oficial dos meus muitos galgos afegãos.
Começaria por um cenário colorido (e quando digo “colorido,” quero mesmo dizer “colorido;” qualquer coisa que abrangesse no mínimo dois terços do espectro cromático) com palco para atracções musicais, zona de conversa com sofás e almofadas rodeando uma mesa geométrica vanguardista e com espaço para sentar público de estúdio.
Os apresentadores seriam três. Um homem (cruzamento entre Fernando Mendes e Manuel Luís Goucha - macho ma non troppo) que teria obrigatoriamente um handicap qualquer, ou seja, poderia ser obeso mórbido, não ter uma perna, gaguejar ou ser viúvo recente, alguma coisa que permitisse ao público simpatizar com ele de imediato e estabelecer uma saudável empatia. A seu lado, duas mulheres. Uma jovem e bonita, loura de preferência e suficientemente estúpida para fazer os outros dois parecerem físicos nucleares. A outra já entradota, quarentona talvez, gorda, mãe de dois filhos e mulher de um operário fabril desempregado que bebesse e lhe chegasse a roupa ao pelo sempre que o Glorioso perdesse pontos. Caber-lhe-ia representar o “País Real” e conferir ao programa um pouco de sabedoria popular.
Para além destes três, alternaria a visita de um negro vestido com tanga de pele de leopardo (que fizesse um número cómico em que se abanaria muito ao som de kuduru e se roçasse num dos apresentadores sem dizer uma palavra) com uma rubrica de comentário social em que dois homossexuais efeminados, mas não assumidos, comentariam recortes de revistas cor-de-rosa mostrados num ecrã através de gritos agudos lancinantes e momentos de pugilato homoerótico com cabelos arrancados e uma ou outra carícia dissimulada nas partes baixas respectivas.
Em cada programa existiria uma atracção musical convidada que deveria conformar-se a um conjunto de exigências:
-Vestuário com mais de oito cores diferentes (tonalidades da mesma cor não contam).-Coreografia arrojada.-Nada de instrumentos acústicos.-Obrigatoriedade de playback com movimentos labiais descoordenados.
Haveria também um momento sério em que deficientes profundos, desempregados de longa duração, esposas traídas, gordos a pedir banda gástrica, filhos abandonados, mamalhudas que gostariam de fazer reduções, jovens sem posses que gostariam de comprar uma playstation de último modelo desfiariam o seu rosário de queixas acompanhados por música comovente de violino e piano e receberiam o conforto e a simpatia gerais.
Seguir-se-ia um passatempo em que, quem fosse mais lesto a ligar para o número no ecrã ganharia uma quantia modesta em dinheiro que, por gritos e estardalhaços da equipa de apresentadores pareceria uma grande fortuna. Além disso, poderia passar largos minutos a falar do que lhe viesse à cabeça, podendo ser desde queixas de saúde a louvores aos apresentadores ou a alguém muito parecido com eles que também aparecesse na televisão. Uma parcela ínfima do valor das chamadas, mais alto do que o prémio, reverteria a favor dos participantes na rubrica anterior.
Para além da atracção musical convidada, o programa teria uma banda residente composta por adolescentes com bom aspecto que protagonizariam também uma pequena rábula telenovelesca, servindo esta, sobretudo, para promover a venda de discos e merchandising.
Espaçados pelo programa, os inúmeros intervalos comerciais serviriam para vender trens de cozinha milagrosos, colchões ortopédicos, preservativos adaptáveis e cerveja com sabores variados.
O horário de exibição seria indiferente e a duração deveria ser mais para o longo do que para o breve. Quanto ao título, qualquer coisa cheia de significado e emoção que despertasse o melhor do pior em cada espectador. Qualquer coisa como “Com o amor no coração” ou “Nós e você – Paixão e Devoção” ou ainda “Espectador Querido, Quero Coisar Contigo.” É só puxar pela imaginação.
http://www.inepcia.com/

O MENOR DOS MALES?

Na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras o candidato da reacção pura e dura (Alckmin) foi derrotado pois obteve 39,18% dos votos, ao passo que o sr. Lula conseguiu 60,82%. Os eleitores votaram naquilo que consideraram ser o menor dos males. Mas fará esta eleição alguma diferença quanto à aplicação das políticas neoliberais selvagens que há anos são administradas ao povo brasileiro? Poderá ela significar uma mudança de rumo? É pouco provável. Ambos os candidatos eram serviçais fieis do capital financeiro, ambos prometiam continuar a política de pauperização ao serviço da Wall Street e dos banqueiros locais. Expressões como "auditoria da dívida externa", "reforma agrária", "recusa frontal da ALCA" ou "democratização dos media" mal foram mencionadas durante a campanha. Altos responsáveis do governo Lula garantiram, ao contrário, que seria mantida a lei do superávite primário, que impõe a prioridade ao pagamento do serviço da dívida em detrimento das necessidades sociais e de desenvolvimento do país. E um gerente da Wall Street continuará, no banco central brasileiro, a comandar a política económica do país. Por outro lado, o sr. Lula sempre foi um tacticista — nunca teve pensamento estratégico. E neste segundo mandato tornou-se ainda mais dependente da reacção devido à política de alianças feita para se aguentar no poder, com concessões de toda ordem a fim de conseguir apoio parlamentar. A democracia económica, social e política ainda é uma realidade distante no Brasil. Ela não poderá ser alcançada com as regras de jogo viciadas que ali imperam.
http://resistir.info/

A grande experiência

Será possível forçar um povo inteiro a submeter-se à ocupação estrangeira através da fome?

Essa é, certamente, uma pergunta interessante. Tão interessante, na verdade, que os governos de Israel e dos Estados Unidos, em estreita cooperação com a Europa, estão actualmente empenhados numa experiência científica rigorosa a fim de obter uma resposta definitiva.

O laboratório para a experiência é a Faixa de Gaza, e as cobaias são o milhão e um quarto palestinianos que lá vivem.

A fim de corresponder aos padrões científicos requeridos, era necessário antes de mais preparar o laboratório.

Isso foi feito da seguinte maneira: Primeiro, Ariel Sharon desmantelou os colonatos israelitas que estavam lá implementados. Afinal de contas, não se pode conduzir uma experiência adequada com os bichos de estimação vagueando pelo laboratório. Foi feito com “determinação e sensibilidade”, as lágrimas fluíram como água, os soldados beijaram e abraçaram os colonos expulsos, e de novo foi mostrado que o exército israelita é o melhor do mundo.

Com o laboratório purificado, a fase seguinte podia começar: todas as entradas e saídas foram seladas hermeticamente, a fim de eliminar influências perturbadoras do mundo exterior. Isso foi feito sem dificuldade. Sucessivos governos israelita impediram a construção de um porto em Gaza, e a marinha israelita assegura­‑se de que nenhum navio se aproxima da costa. O esplêndido aeroporto internacional, construído durante os dias de Oslo, foi bombardeado e encerrado. Toda a Faixa foi encerrada por uma cerca extremamente eficaz, e só algumas passagens se mantiveram, todas com a excepção de uma controladas pelo exército israelita.

Permaneceu uma única conexão com o mundo exterior: a passagem de fronteira de Rafah para o Egipto. Não poderia ser simplesmente selada, porque isso teria exposto o regime egípcio como colaborador de Israel. Uma solução sofisticada foi encontrada: a bem de todas as aparências, o exército israelita deixou a passagem e entregou­‑a a uma equipa internacional de supervisão. Os seus membros são tipos porreiros, cheios de boas intenções, mas na prática estão totalmente dependentes do exército israelita, que vigia a passagem de uma sala de controle próxima. Os supervisores internacionais vivem num kibbutz israelita e só podem alcançar a passagem com o consentimento israelita.

Assim, tudo estava pronto para a experiência.

O sinal para o seu começo foi dado depois de os palestinianos terem celebrado eleições democráticas limpas, sob a supervisão do antigo presidente Jimmy Carter. George Bush estava entusiástico: a sua visão de levar a democracia ao Médio Oriente estava a tornar­‑se verdadeira.

Mas os palestinianos falharam no teste. Em vez de elegerem “árabes bons”, devotos dos Estados Unidos, votaram em árabes muito maus, devotos de Alá. Bush sentiu­­‑se insultado. Mas o governo israelita estava extasiado: após a vitória do Hamas, os norte­‑americanos e os europeus estavam prontos a tomar parte na experiência. Poderia começar:

Os Estados Unidos e a União Europeia anunciaram o fim de todos os donativos à Autoridade Palestiniana, uma vez que era “controlada por terroristas”. Simultaneamente, o governo israelita eliminou o fluxo de dinheiro.

Para compreender o significado disto: de acordo com o “Protocolo de Paris” (o anexo económico do acordo de Oslo) a economia palestiniana faz parte do sistema alfandegário israelita. Isto significa que Israel colecta as taxas aduaneiras por todos os bens que passam através de Israel para os territórios palestinianos – de facto, não há outra rota. Após deduzir uma gorda comissão, Israel é obrigada a entregar o dinheiro à Autoridade Palestiniana.

Quando o governo israelita se recusa a entregar este dinheiro, que pertence aos palestinianos, está, posto de forma simples, a roubar em plena luz do dia. Mas quando se rouba “terroristas”, quem se vai queixar?

A Autoridade Palestiniana – tanto na Cisjordânia como na Faixa de Gaza – necessita deste dinheiro como do ar para respirar. Este facto requer também alguma explicação: nos 19 anos em que a Jordânia ocupou a Cisjordânia e o Egipto a Faixa de Gaza, de 1948 a 1967, nem uma só fábrica importante foi lá construída. Os jordanos queriam que toda a actividade económica ocorresse na Jordânia propriamente dita, a leste do rio, e os egípcios negligenciaram a Faixa completamente.

Veio então a ocupação israelita, e a situação tornou-se ainda pior. Os territórios ocupados transformaram­‑se num mercado cativo para a indústria israelita, e o governo militar impediu o estabelecimento de qualquer empresa que pudesse concebivelmente competir com uma israelita.

Os trabalhadores palestinianos foram compelidos a trabalhar em Israel por salários de fome (pelos padrões israelitas). Destes, o governo israelita deduziu todos os pagamentos sociais cobrados aos trabalhadores israelitas, sem que os trabalhadores palestinianos usufruíssem de quaisquer benefícios sociais. Deste modo, o governo roubou estes trabalhadores explorados em milhares de milhões de dólares, que desapareceram de algum modo no bolso furado do governo.

Quando a Intifada irrompeu, os capitães israelitas da indústria e da agricultura descobriram que era possível passar sem os trabalhadores palestinianos. De facto, era ainda mais rentável. Trabalhadores trazidos da Tailândia, da Roménia e de outros países pobres estavam prontos a trabalhar por salários ainda mais baixos e em condições próximas da escravatura. Os trabalhadores palestinianos perderam os seus trabalhos.

Essa era a situação no começo da experiência: a infra­‑estrutura palestiniana destruída, praticamente sem meios de produção, sem trabalho para os trabalhadores. Sob todos os aspectos, um cenário ideal para a grande “experiência de fome”.

A implementação começou, como mencionado, com o fim dos pagamentos.

A passagem entre Gaza e o Egipto foi encerrada na prática. Uma vez em cada poucos dias ou semanas era aberta durante algumas horas, para manter as aparências, de modo que alguns dos doentes ou mortos ou a morrer pudessem chegar a casa ou alcançar hospitais egípcios.

As passagens entre a Faixa e Israel foram fechadas “por razões urgentes de segurança”. Sempre, no momento certo, “avisos de um iminente ataque terrorista” apareceram. Os produtos agrícolas palestinianos destinados à exportação apodrecem na passagem. Os medicamentos e os géneros alimentares não podem entrar, à excepção de curtos períodos de tempos a tempos, também para manter as aparências, sempre que alguém importante no estrangeiro exprime algum protesto. Vem então outro “aviso urgente de segurança” e a situação volta ao normal.

Para abreviar o retrato, a força aérea israelita bombardeou a única estação de energia na Faixa, de modo que durante uma parte do dia não há electricidade, e o fornecimento de água (que depende das bombas eléctricas) também pára. Mesmo nos dias mais quentes, com temperaturas acima dos 30 graus centígrados à sombra, não há electricidade para refrigeradores, ar condicionado, fornecimento de água ou outra necessidade.

Na Cisjordânia, um território muito maior do que a Faixa de Gaza (que compõe somente 6% dos territórios palestinianos ocupados mas contém 40% dos habitantes), a situação não é tão desesperada. Mas na Faixa, mais de metade da população vive abaixo da “linha de pobreza” palestiniana, que se encontra evidentemente muito, muito abaixo da “linha de pobreza” israelita. Muitos residentes de Gaza podem somente sonhar com serem considerados pobres na vizinha cidade israelita de Sderot.

O que estão os governos de Israel e dos EUA a tentar dizer aos palestinianos? A mensagem é clara: atingirão o limite da fome, e mesmo além, se não se renderem. Devem remover o governo do Hamas e eleger os candidatos aprovados por Israel e pelos EUA. E, mais importante: devem ficar satisfeitos com um estado palestiniano consistindo de diversos enclaves, cada um dos quais será totalmente dependente das ternas mercês de Israel.

Neste momento, os directores da experiência científica estão a ponderar numa questão enigmática: como é possível que os palestinianos ainda aguentem, apesar de tudo? De acordo com todas as regras, já deviam ter sido quebrados há muito tempo!

Na verdade, há alguns sinais encorajadores. A atmosfera geral de frustração e de desespero cria tensão entre o Hamas e a Fatah. Aqui e ali irromperam escaramuças, pessoas foram mortas e feridas, mas em cada caso a deterioração foi detida antes de se transformar numa guerra civil. Os milhares de colaboradores israelitas escondidos estão também a ajudar a agitar as coisas. Mas, ao contrário de todas as expectativas, a resistência não se evaporou. Mesmo o soldado israelita capturado não foi libertado.

Uma das explicações tem a ver com a estrutura da sociedade palestiniana. O Hamulah (família estendida) joga aqui um papel central. Contanto que uma pessoa na família esteja a trabalhar, também os parentes não morrem de fome, mesmo que haja uma desnutrição generalizada. Todos os que têm algum rendimento partilham­‑no com todos os seus irmãos e irmãs, pais, avós, primos e suas crianças. É um sistema primitivo, mas bastante eficaz em tais circunstâncias. Parece que os planificadores da experiência não tiveram isto em conta.

Para apressarem o processo, todo o poder do exército israelita está a ser agora usado outra vez, desde esta semana. Durante três meses, o exército esteve ocupado com a segunda guerra do Líbano. Tornou­‑se evidente que o exército, que durante os últimos 39 anos foi empregado principalmente como uma força de polícia colonial, não funciona muito bem quando confrontado de repente com um oponente treinado e armado que pode ripostar. O Hezbollah utilizou armas anti-tanque mortais contra as forças blindadas, e foguetes choveram sobre o norte de Israel. O exército esqueceu­‑se há muito tempo de como lidar com tal inimigo. E a campanha não terminou bem.

Agora, o exército retorna à guerra que conhece. Os palestinianos na Faixa não têm (ainda) armas anti­‑tanque eficazes, e os foguetes Qassam provocam somente danos limitados. O exército pode de novo utilizar tanques contra a população sem obstáculo. A força aérea, que no Líbano tinha receio de enviar helicópteros para evacuar os feridos, pode agora disparar mísseis contra as casas de “pessoas procuradas”, as suas famílias e vizinhos, à discrição. Se nos últimos três meses “só” 100 palestinianos foram mortos por mês, estamos agora a testemunhar uma ascensão dramática no número dos palestinianos mortos e feridos.

Como pode uma população que é fustigada pela fome, a quem faltam medicamentos e equipamento para os seus hospitais primitivos e que é exposta a ataques por terra, mar e ar, aguentar? Quebrará? Pôr­‑se­‑á de joelhos e implorará misericórdia? Ou encontrará força inumana e resistirá ao teste?

Em suma: O quê e quanto é necessário para que uma população se renda?

Todos os cientistas que tomam parte na experiência – Ehud Olmert e Condoleezza Rice, Amir Peretz e Angela Merkel, Dan Halutz e George Bush, para não mencionar o laureado com o Prémio Nobel da Paz Shimon Peres – estão dobrados sobre os microscópios à espera de uma resposta, que indubitavelmente será uma contribuição importante para a ciência política.

Espero que o Comité do Nobel esteja a prestar atenção.
Uri Avnery
Gush Shalom
http://www.infoalternativa.org/autores/avnery/avnery064.htm

Nos meandros dos bastidores da ONU

Manhattan em meados de Julho [1993, N. da R.] era sufocante e as ruas estavam invadidas de turistas. Não era o melhor momento do ano para estar em Nova Iorque, mas a reluzente torre de vidro da sede das Nações Unidas parecia chamar-me. Tive que me beliscar para verificar que não estava a sonhar.

Tal como acontece com muitas pessoas que põem os pés pela primeira vez na ONU, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança impressionaram-me, mas não tardei a descobrir que o verdadeiro trabalho se desenrolava numa série de gabinetes alinhados como caixas em locais interditos ao público. Os mais sinistros e mais exíguos pareciam ser os do Departamento das Operações de Manutenção da Paz, ou DOMP.

O pessoal trabalhava em condições verdadeiramente lastimosas: o mobiliário deixava muito pouco espaço à circulação, os telefones não paravam de tocar, computadores antediluvianos não cessavam de “colapsar” (em alguns casos, os empregados preferiam utilizar velhas máquinas de escrever) e as pessoas não conseguiam obter os mais elementares materiais de escritório. Sem querer insistir excessivamente, o facto é que o DOMP tinha todas as características de uma espécie de local escuso encafuado no 36º piso, fazendo lembrar certos ateliês clandestinos. É possível que o flagrante estado de subequipamento deste departamento fizesse parte da imagem pública que a ONU tentava projectar de modo a contrariar a cólera de certa comunicação social abutre, bem como a dos urubus políticos internacionais prontos a encontrar seja que desculpa for para acusarem o organismo de “esbanjar dinheiro”. Não tardei contudo a reparar que outras agências da ONU, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) ou o Alto Comissariado para os Refugiados (ACNUR), estavam mais bem instaladas e gozavam de uma melhor qualidade de vida.

Maurice Baril pertencia a um triunvirato que dirigia o DOMP. Os outros membros eram Kofi Annan, o subsecretário­‑geral para a manutenção da paz, e Iqbal Riza, o número dois de Annan e secretário­‑geral adjunto do departamento. A nomeação de Baril, em Junho de 1992, fora celebrada como um golpe de mestre por parte do Canadá, mas o objectivo do major­‑general – a saber, fazer do gabinete uma entidade onde pudessem ser simultaneamente geridas a estratégia e as operações militares – constituía um desafio gigantesco. (...)

É um facto que Maurice Baril implantou um centro de operações cujo pessoal era composto por jovens oficiais brilhantes e dedicados, que trabalhavam dia e noite. Tinha tido necessidade de suplicar às missões permanentes das diferentes nações que lhe emprestassem pessoas suas, e arranjara uma forma de os custos aferentes serem cobertos pelos países de onde elas eram originárias. (...) Começou também a “pedir de empréstimo” oficiais provenientes de missões no terreno, de modo a trazer as suas competências para Nova Iorque, e confiou-lhes a responsabilidade de resolverem os problemas com que deparassem nos locais das operações.

Criou entre este pessoal proveniente das mais diversas paragens uma atmosfera em que reinava o bom humor, em que se levava a bom termo um trabalho perseverante e em que se dava provas de uma notável cooperação, tendo em conta as circunstâncias. No espaço de alguns anos, as missões praticamente triplicaram, atingindo o número de dezassete. Nelas participaram 24.000 soldados provenientes de mais de sessenta países. Isto implicava inacreditáveis problemas de logística, deontologia e formação, e era tudo administrado a partir de Nova Iorque, com meios irrisórios, por um departamento com falta de pessoal e de financiamento.
Roméo Dallaire
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo190.htm

Remodelação do Grande Médio Oriente

O Pentágono precipita os europeus no caos afegão
Apresentada como uma simples reorganização técnica, a extensão do mandato da NATO no Afeganistão modifica a missão das tropas europeias: estas suspendem a sua assistência na reconstrução, para prosseguirem a guerra colonial dos anglo-estado-unidenses, enquanto a rebelião se estende. No terreno, os serviços secretos britânicos tentam substituir o Hizb-ut-Tahrir aos Talibans numa tentativa de enquadrarem a população. Passados quase cinco anos, a Força Internacional de Assistência e Segurança (ISAF) da NATO e a Coligação dos Voluntários repartem a responsabilidade de manter a ordem no território afegão. No dia 29 de Setembro de 2006, os ministros de defesa da NATO, reunidos em Portoroz (Eslovénia), decidiram que doravante, a Aliança assumirá sozinha essa missão. A ISAF, que conta já com mais de 20 mil homens, absorverá mais 12 mil GI's da Coligação de Voluntários. Os britânicos até entoaram "God Save the Queen", tal é o seu orgulho em dirigir a ISAF e em comandar os GI's – uma situação sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial. No entanto, uma vez passado o momento de orgulho, os britânicos concerteza perguntar-se-ão se não estarão a ser vítimas de uma farsa. O general inglês David Richard ocupará funções apenas durante quatro meses. A partir de Fevereiro de 2007, ele terá de dobrar a Union Jack e deixar o lugar livre para o general Dan K. McNeil do US Army. Afinal, não serão as tropas estadunidenses que estarão sob o comando dos britânicos, mas antes as tropas europeias que estarão sob o comando dos Estados Unidos. O Pentágono, cujas tropas estão actualmente super dispersas pelo mundo, tinha já lançado um apelo aos membros da NATO para que estes reforçassem a ISAF. Todos os membros do Conselho atlântico haviam aprovado a sugestão do general James Jones, comandante supremo da NATO, de recrutar mais 2 500 homens. Convocou-se uma reunião ad hoc durante a qual cada delegação apresentou uma boa desculpa, tendo sido propostos polacos e romenos – a nova carne para canhão da Europa – como reforços adicionais. A nova ISAF deverá contar com 36 mil homens. Todavia, 8 mil GIs suplentes ficarão de parte, sob o comando directo dos Estados Unidos, para aquelas operações de que ninguém deverá ouvir falar: controlo de drogas na escola de tortura instalada na base de Bagram. Os 35 Estados que aceitaram participar na ISAF fizeram-no sob a condição expressa de que não iriam servir de reforço para a operação anglo-estadunidense de colonização do Afeganistão, e de que a sua missão se deveria limitar à participação na edificação do Estado, na formação dos seus agentes e na reconstrução de infra-estruturas. Esse trabalho revelou-se cada vez mais difícil à medida que a rebelião no país se estendia e a necessidade de uma pacificação preliminar se tornava imperativa para a sua prossecução. Graças a esse espantoso passo de mágica que colocará toda gente sob um comando único, os membros da ISAF serão forçados e coagidos a mudar de missão: a reconstituição do Estado terá de esperar, pois agora é preciso esmagar os "Talibans". Escrevo aqui Talibans entre aspas, pois o comandante das forças francesas no território não tem a certeza da identidade dos rebeldes que está a combater, tendo-lhe, ele próprio, chamado precisamente "Talibans entre aspas" (sic). É verdade que não parece nada sério equacionar a hipótese de o exército ocidental high tech não ser capaz de vencer um grupúsculo de iluminados em farrapos. A estratégia do caos O Afeganistão afunda-se rapidamente num caos deliberado em que a sobreposição de conflitos se torna inextricável e todas as soluções impossíveis. Herdeiros do "dividir para reinar", sabe-se que os neoconservadores decidiram remodelar o "Grande Médio Oriente." Nessa conjuntura, eles previram amputar o Afeganistão ao Sul e o Paquistão a Oeste para criar um terceiro novo Estado: o Baluquistão, tendo encontrado imediatamente o apoio dos seus habitantes, os quais eles bombardearam o ano passado [1] . Mas, ao contrário de que se esperava, eles perturbaram os seus aliados afegãos e paquistaneses que, pelo salário da sua servidão, se achariam recompensados com o desmembramento dos seus respectivos países. Washington não está disposto a mais uma reviravolta. Note-se que foi o Departamento de Estado e a CIA que ajudaram a seita Taliban a criar um emirado auto-proclamado no Afeganistão. Esse micro-Estado era na verdade gerido pelos serviços de segurança paquistaneses (ISI) e abrigava escolas de formação para os combatentes que a CIA recrutava. Os homens ao serviço de Washington nas regiões de população muçulmana (Bósnia-Herzegovina, Kosovo, Chechénia) foram todos treinados pelo ISI. São esses que são apresentados nos meios de comunicação dominantes como sendo "jihadistas", contudo eles não são soldados moldados por uma forma extremista do Islão, mas antes mercenários recrutados nos meios extremistas [2] . Washington tentou evitar os Talibans aquando da campanha de reeleição de Bill Clinton. Para satisfazer o voto feminino, o presidente decidiu sacrificar essa seita obscurantista. Mas no Verão de 2001, as coisas complicaram-se: os Talibans recusaram a "oferta generosa" do consórcio UNOCAL e do governo estadunidense de deixar passar um gasoduto no seu território para transportar os hidrocarbonetos do Mar Cáspio em direcção ao Oceano Índico. Os anglo-estadunidenses decidiram entrar em guerra precisamente por ocasião dos atentados de 11 de Setembro [3] , e impuseram ao Afeganistão o presidente Karzai, um estadunidense assalariado do UNOCAL. No entanto, ainda que os paquistaneses possam ter aceite o fim do pseudo-emirado taliban, nunca deixariam que a totalidade dos homens que eles treinaram fossem eliminados. Fez-se uma escolha e os Talibans leais a Islamabad foram convidados a recuar dentro da região de Waziristan e a combater os rebeldes baluquistans. Uma seita caça a outra Tendo a natureza horror do vazio, o desaparecimento da seita dos Talibans abriu o caminho a um novo grupo: o Hizb-ut-Tahrir. Esta seita está claramente enquadrada pelo MI6 britânico e estabeleceu o seu quartel-general em Londres; os seus dirigentes exercem altos cargos nas multinacionais anglo-saxónicas. O Hizb-ut-Tahrir é accionado pela CIA com o intuito de destabilizar toda a Ásia Central, até ao Xingjiang chinês. Ele é a sombra negra da Organização de cooperação de Shangai, e acessoriamente, o Hizb-ut-Tahrir foi utilizado para organizar as manifestações no mundo árabe a propósito das caricaturas de Maomé e do discurso de papa em Ratisbonne. Os elementos não-controlados do Hizb-ut-Tahrir no Uzbequistão foram exterminados pelo presidente Karimov com a bênção da coroa britânica. Em Maio de 2005, o Hizb-ut-Tahrir dirigiu vastas manifestações anti-ocidentais no Afeganistão e em toda a Ásia Central. Estas manifestações deveriam ter sido pacíficas e dirigidas contra os acampamentos militares, as ONG, e as empresas multinacionais, todavia, exaltados pelo seu sucesso, os organizadores terão saqueado diversos escritórios [4] . Assim, a população afegã revoltada contra a presença militar estrangeira pode organizar-se atrás da divisa dos Talibans ou do Hizb-ut-Tahrir, de acordo com a sua opção pela acção violenta ou pacífica. Essas manipulações têm os seus limites. Desde logo, porque numa sociedade tão arcaica, os laços clânicos abrem o caminho para todos os outros. Os Talibans implantaram-se principalmente entre os pashtuns. O Hizb-ut-Tahrir formou-se entre os tadjiques, desenvolveu-se entre os usbeques e estendeu-se progressivamente a todas as populações. Depois, porque as condições sociais não são manipuláveis. Nenhuma economia civil se desenvolveu no país durante os últimos cinco anos, tirando a cultura de drogas, que é considerada uma actividade criminosa; além disso, ex-combatentes desempregados não tardam em pegar de novo nas armas. Justamente, a cultura das drogas representa mais de metade da produção interna bruta. Os campos de papoilas encontram-se nas zonas controladas até agora pela Coligação de Voluntários e não pela NATO. O ópio e a heroína são encaminhados para os mercados europeus, russos e iranianos, e não para os Estados Unidos. A maioria dos observadores acredita que essa cultura é controlada pelo ISI paquistanês e que a produção deixa o país a bordo de aviões estadunidenses. Seja como for, esse tipo de economia especulativa aumenta as diferenças sociais e a corrupção, e consequentemente a revolta [5] . Alianças contraditórias Finalmente, para rematar essa acumulação de desordens, Washington lançou-se num espantoso projecto de revisão das suas alianças regionais que consiste, no momento, em colocar o Afeganistão (ou melhor, o governo de Karzai) contra o Paquistão, até aqui indissociáveis. Com efeito, o presidente Bush viajou, em pessoa, até à Índia para celebrar novas relações com Delhi e para lhe vender tecnologias nucleares, cuja proliferação ele proíbe, em princípio. Em sinal de boa vontade, a Índia cessou de apoiar a rebelião baluquistanesa, o que não agradou aos neoconservadores desejosos de criar um Baluquistão independente. O Paquistão deixou de armar os poucos Talibans que ele ainda utilizava para combater os baluquistaneses, tendo em conta o seu enfraquecimento, o que fez com esses poucos Talibans voltassem para o Afeganistão e abrissem fogo sobre a Coligação. Paralelamente, a Índia ofereceu fundos ao presidente Karzai para que este desenvolvesse a sua administração, de modo que todo o reforço da autoridade do governo de Cabul se faz em detrimento do de Islamabad. Os presidentes Karzai e Musharraf, ambos convidados da Casa Branca, divulgaram os seus diferendos aos meios de comunicação estadunidenses, não hesitando em se insultarem em emissões de televisão intercaladas. No terreno, a ruptura entre o Afeganistão e o seu antigo protector paquistanês mobiliza toda a administração em proveito dos senhores da guerra que levantam a cabeça. Considerando tudo isto, a "estratégia do caos" já fez duas vítimas: a população afegã, e as tropas da ISAF que estão condenadas a fazer a guerra sem querer. Em Washington há quem se divirta. Quando os eleitores pedirem contas sobre os fracassos da "guerra contra o terrorismo", dir-lhe-ão que a culpa não é do Pentágono, mas sim da NATO. Depois, esperar-se-á que os afegãos e os europeus se cansem de morrer por nada, antes de começarem a explorar autonomamente os hidrocarbonetos do Mar Cáspio.
Notas [1] "La vraie cible des bombardements US au Pakistan", Réseau Voltaire, 16 janvier 2006 [2] Sobre este assunto, ver duas obras recentes : Wie der Dschihad nach Europa kam (Comment le Djihad est arrivé en Europe) par Jürgen Elsässer, NP Verlag, St. Pölten, 2005, Xenia, Vevey, 2006 pour édition française. E o novíssimo, Fulcrum of Evil : ISI-CIA-Al Qaeda Nexus par Maloy Krihna Dhar, Manas Publication, Delhi, 2006 [3] L'Effroyable imposture (Der inszenierte terrorismus) par Thierry Meyssan, Carnot, Paris, 2002, editio de facto, Kassel, 2002 pour l'édition allemande [4] "Hizbut Tehrir Behind Afghan Violence?" e "Anti-US, Anti-Karzaï Riots in Kabul" par B. Raman, South Asia Analysis Group, Delhi, 2006 [5] "Le Pakistan exploite le pavot afghan", Réseau Voltaire, 19 avril 2005
Thierry Meyssan
http://resistir.info/

Preparação para guerra biológica ?

Vacina contra o antrax para os soldados no Iraque, Afeganistão e Coreia do Sul

A notícia abaixo levanta algumas questões cruciais. Por que as tropas americanas estão a ser vacinadas simultaneamente na Coreia, no Iraque e no Afeganistão? Estará este programa de vacinação ligado de alguma forma à utilização ou instalação de sistema de armas biológicas?
O Departamento da Defesa dos EUA declarou que a vacinação obrigatória contra o antrax do pessoal militar em serviço no Iraque, Afeganistão e Coreia do Sul será reiniciada nos próximos 30 a 60 dias. Considera-se que a imunização contra o antrax aumenta o risco de infertilidade, esclerose múltipla e lupus. Embora tenham morrido pessoas a seguir à vacinação, o Pentágono diz que a ligação entre a imunização do antrax e a morte não é evidente. A imunização do antrax tem sido um assunto controverso — foi mesmo suspenso por um tribunal federal. Tal como o pessoal militar, também os empreiteiros da defesa naqueles três países serão imunizados. Segundo William Winkenwerder Jr., secretário assistente da Defesa para assuntos de saúde, a vacina é eficaz e segura. Ele diz que os únicos efeitos colaterais são inchaços, vermelhidão, sintomas semelhante à gripe, algum sofrimento e mal estar. "Em todos os estudos que efectuámos, verificando muito à fundo a vacina, não há aumento de mortalidade, não há aumento de morbilidade, não há aumento de hospitalizações", disse ele. Mark Zaid, um advogado que contestou o programa de imunização, afirma que não há prova científica de que a vacina seja eficaz em seres humanos. Meryl Nass, M.D., Director do Military and Biodefense Vaccine Project (MBVP), diz que "os membros dos serviços militares da América merecem ser plenamente informados acerca das mortes, males crónicos e incapacidades que muitos soldados experimentaram a seguir à vacinação do antrax. O pacote de vacinas antrax aprovado pelo FDA reconhece apenas seis mortes e duas dúzias de doenças auto-imunes associadas à vacina, mas o FDA não determinou ao fabricante para actualizar os dados durante cerca de cinco anos. Mas de 1200 soldados prejudicados por vacinas antrax foram tratados nos Centros de Cuidados de Vacinas determinados pelo Congresso, os quais o Departamento da Defesa tem tentado encerrar. Eles estão a sofrer de incapacidades, doenças que levam a alterações da vida, as quais estão a ser varridas para debaixo do tapete. Sabemos que o vacina antrax é reactiva e suspeitamos que é especialmente arriscada para aqueles com hereditariedade e outros factores de risco que o Departamento da Defesa se recusa a investigar ou a reconhecer". Os soldados que se recusarem a ser vacinados podem enfrentar uma corte marcial.
Medical News Today
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O colapso da aventura no Iraque e o balanço dos crimes contra a humanidade

Na semana passada, o chefe das forças armadas britânicas, general Sir Richard Dannat, deu a aventura no Iraque por perdida militarmente e propôs aos líderes políticos a retirada das tropas do Reino Unido, que é sabidamente o principal aliado dos Estados Unidos da América (EUA) naquela malsinada empreitada. A declaração foi contemporânea à divulgação, por fontes altamente fidedignas, que a invasão levada a efeito em 2003 causara a morte de nada menos do que 650 mil iraquianos. À guisa de comparação, Sadam Hussein está sendo julgado, por ilegítimo tribunal de exceção, pelo homicídio de 150 curdos. Nos EUA e no Reino Unido, a aventura do Iraque está a ser hoje cada vez mais criticada, mesmo por aqueles irresponsáveis que a apoiaram originalmente, sob a perspectiva da incompetência política e administrativas dos agentes dos governos Bush e Blair e não sob os critérios do direito internacional, o que teria implicações de todo diversas e, de resto, mais adequadas. De fato, a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), em seu artigo 2(4) proíbe qualquer ação armada, a menos que nos casos de auto-defesa ou de medida autorizada por este organismo multilateral. Ora, a Resolução 1441 do Conselho de Segurança da ONU não autorizou qualquer medida militar contra o Iraque, o que fez por caracterizar a ação dos EUA e do Reino Unido como ilegal. Como resultado, os EUA e seus aliados tornaram-se tyranni absque titulo, pelo vício de legitimação e, enquanto forças de ocupação, tyranni quoad exercitium, pelo exercício ilegal do poder. Mais ainda, no exercício tirânico do poder, as forças de ocupação cometeram os mais diversos crimes contra a Humanidade e violaram um amplo elenco de convenções internacionais, desde as de Genebra, passando pela contra a tortura, indo até os estatutos de Roma do Tribunal Penal Internacional. Por sua vez, as forças ilegais de ocupação, que sofrem altas baixas pessoais, e que perderam o efetivo controle sobre o território iraquiano para os diversos grupos de insurgentes, buscam uma estratégia de saída. O títere Parlamento iraquiano, dominado por maioria de origem xiita, aprovou, dias atrás, uma emenda à Constituição dando um caráter federal ao país, a ser dividido em três zonas: uma xiita, ao sul; uma sunita, no centro; e outra curda, ao norte. Essa iniciativa é o germe do arquitetado, pelas forças de ocupação praticamente derrotadas, fim do Iraque como Estado. Ironicamente, o Iraque havia sido construído artificialmente como país pelo Reino Unido, na Conferência de Versailles que se seguiu ao fim da 1ª Guerra Mundial, já que a potência desejava dominar o petróleo que havia sido encontrado no norte. Como os portos situavam-se ao sul, impunha-se aos imperialistas a geografia então moldada. Se a nova iniciativa prevalecerá, somente o futuro poderá dizer. O destino do Iraque parece cada vez mais sujeito à força das armas, desencadeada pela irresponsável e criminosa aventura das potências responsáveis. Permanecerá, todavia, a tragédia e a miséria mais absoluta no seio do povo iraquiano e, com ela, a responsabilidade criminal de seus agentes, nos termos do direito internacional.
Durval de Noronha Goyos
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Ferimentos misteriosos indicam a utilização de uma nova arma por Israel

Médicos em Gaza têm relatado acerca de lesões inéditos provocados por armas israelenses que causam queimaduras severas e deixam ferimentos internos profundos, que muitas vezes resultam em amputações ou na morte. Estas lesões foram vistas pela primeira vez em Julho, quando Israel atacou Gaza depois de militantes palestinos terem capturado um soldado israelense. "Os corpos chegaram severamente fragmentados, fundidos e desfigurados", afirma Jumaa Saqa'a, médico do Hospital Shifa na cidade de Gaza. "Descobrimos queimaduras internas de órgãos, enquanto externamente havia minúsculas porções de metralha (shrapnel). Quando abrimos muitas das pessoas lesionadas descobrimos pós sobre os seus órgãos internos". Não está claro se as lesões provêm de uma nova arma. Os militares israelenses negaram que as lesões proviessem de um Explosivo de Metal Inerte Denso (Dense Inert Metal Explosive, DIME), uma arma experimental. Em Gaza, o Dr. Saqa'a afirma que as pequenas porções de metralha descobertas nos corpos dos pacientes não se mostram sob o Raio X. "Costumávamos ver a metralha penetrar os corpos fazendo danos localizados. Agora não vemos a metralha, mas descobrimos a destruição", afirmou. Os médicos também descobriram que pacientes que estavam estabilizados após um dia ou dois morriam subitamente. "O paciente morre sem qualquer causa científica aparente", informou o Dr. Saqa'a. Fotografias de alguns dos mortos do Hospital Shifa mostram corpos que foram fundidos e enegrecidos para além do reconhecimento. Em vários casos os médicos amputaram membros gravemente queimados. No Hospital Kamal Odwan, em Beit Lahiya, o vice-director, Saied Jouda, disse que pacientes admitidos nos últimos dias ainda mostram sinais de lesões inabituais. O ministro da Saúde em Gaza relatou que estas lesões vêm de um "tipo de projéctil sem precedentes" e também notou queimaduras severas e órgãos internos seriamente danificados. Amostras de tecidos de pacientes em Gaza foram dadas a jornalistas do canal de televisão italiano RAI. Num documentário apresentado na semana passada, o canal afirmou que as lesões pareciam semelhantes aos efeitos da DIME. Um laboratório italiano que analisou as amostras confirmou que os resultados eram compatíveis com a hipótese de uma arma DIME. A arma ainda está na fase preliminar de desenvolvimento nos EUA. Ela tem uma cápsula de fibra de carbono e contem partículas de tungsténio fino ao invés de fragmentos metálicos. Ela provoca uma explosão muito poderoso, mas com um raio muito mais limitado do que outros explosivos. Os militares israelenses negam a utilização de armas DIME. "O estabelecimento da defesa está a investir esforços consideráveis para desenvolver armamento destinado a minimizar o risco de ferir civis inocentes. Em relação às alegações da utilização de armamento DIME, as Forças de Defesa de Israel (IDF) negam a posse ou a utilização de tais armas", disseram eles. "Além disso deveria ser enfatizado que as IDF apenas utilizam armas conformes ao direito internacional". Alguns peritos militares israelenses também afastaram a sugestão de que uma arma DIME estivesse envolvida.
Rory McCarthy na Cidade de Gaza
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O braço armado da Estratégia de Lisboa

A MÁQUINA DA GUERRA

A máquina de guerra é infernal. A despesa militar global anual excede já 1 milhão de milhões de US dólares.

Essa despesa decrescera a partir de 1987, durante uma década, mas para retomar de novo a sua marcha ascendente em 1998, até hoje, quando já excede um milhão de milhões de dólares. Encontramo-nos ao nível máximo alguma vez atingido. Que sucessos se passaram no mundo no final do século XX, uma década após o colapso da União Soviética, que explicassem essa inflexão? O que compele o imperialismo senão os seus planos de domínio planetário, correndo contra os interesses dos povos e o sentido do curso da história, por todos os meios que encontra ao seu dispor, mesmo os mais violentos?

Na realidade, após o termo da Guerra-Fria persistiu o reforço da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico (I&D) para fins militares, bem como a concentração de capitais na indústria armamentista. E, passada uma década, acelerou também o dispêndio de recursos em aquisições e comércio de armamentos, e em acções de guerra, contextualizado no discurso público e na acção política externa e interna como “guerra contra ameaças globais” e como reforço de “segurança”.

O valor do desarmamento como pressuposto de libertação de recursos limitados, de fins destrutivos para fins pacíficos, e como medida de desenvolvimento económico, valor ainda consensual no final da Guerra Fria, foi subvertido pelo “pensamento único imperial”, na antecipação de novos inimigos, ainda por descortinar, e na prevalência dada à “segurança” como factor de suposta confiança e prevenção de conflitos e de condição prévia e promessa para o desenvolvimento. A segurança seria condição sine qua non para o desenvolvimento. Este início de século emerge já assim manchado pela pérfida aplicação maciça de recursos para fins militares, com falaciosos e hipócritas discursos a favor de salvadora segurança e de mirífica democracia.

A despesa militar mundial atingiu mais de um milhão de milhões de dólares em 2005, o que significa 2,5 % do produto bruto mundial. Este é o nível máximo jamais alcançado, reflectindo um incremento sustentado a taxa superior a 3% ao ano, ao longo de uma década. Os EUA, responsáveis por 80% do incremento no último ano, é também responsável por mais de 40% da despesa total mundial, seguidos pelo Reino Unido, França, Japão, e China, por esta ordem e em proporção bem menor. De notar, ainda, o incremento sustentado da despesa militar por parte das potências Asiáticas emergentes, quer a R. P. da China quer a Índia, na proporção dos acelerados crescimentos dos seus produtos internos.

Mas despesa militar corresponde a produção, comércio e “consumo”. O comércio internacional de armas encontra­‑se em crescimento há quase uma década, a par do crescimento da produção e do “consumo”, ou seja de militarização e guerra, de que o esforço militar dos EUA, na ocupação do Iraque e do Afeganistão e na operação de centenas de bases e dispositivos militares em todos os continentes, é indissociável.

O processo de militarização está em consonância com a concentração de capitais na indústria armamentista. Das 100 maiores corporações armamentistas, em 2004, 37 eram Norte-Americanas com 63% das vendas, e 42 eram Europeias com 31% das vendas. As cinco maiores corporações (Boeing, Lockheed Martin, Northrop Grumman, BAE Systems, Raytheon) duplicaram o seu volume de negócios de 22 para 44% (das vendas das 100 maiores), entre 1990 e 2003. Esta concentração do capital, ainda mais pronunciada após o termo da Guerra­‑Fria, resulta de fusões e aquisições, e joint ventures, reforçadas ainda pela privatização de departamentos e empresas públicas.

De notar que o processo de militarização se alimenta ainda da aplicação a fins militares de tecnologias previamente desenvolvidas na esfera civil (como as TIC), bem como da militarização da I&D em domínios tecnológicos em expansão ou emergentes.

Oito países detêm armas nucleares aprestadas. As ogivas, bombas e munições nucleares presentemente instaladas somam cerca de 12 mil (Janeiro de 2006), a grande maioria equiparadamente divididas entre os EUA e a Rússia. Mas o número total, incluindo reservas e armazenamento, atinge 27 mil; são números astronómicos, motivo de grave apreensão. Das cinco potências nucleares reconhecidas pelo Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP, 1967), quatro (EUA, França, Rússia e China, a excepção sendo Reino Unido) prosseguem ilegalmente programas de modernização das suas forças nucleares; e três outros países assumida e ilegalmente dotaram-se de armas nucleares (Israel, Índia e Paquistão).

A vontade de cooperação entre potências nucleares e países soberanos candidatos ao domínio de tecnologias nucleares, bem como a redução dos descomunais arsenais detidos pelos EUA e a Rússia e a retracção de armas nucleares suas colocadas em países terceiros, afiguram-se como medidas fundamentais para recuperar a confiança, e concretizar e dissuadir a proliferação. Mas, pelo contrário, só em território Europeu continuam operacionais 440 bombas nucleares em oito bases militares à disposição da aviação da NATO. E a situação mundial encontra-se agravada pela orientação intervencionista da política externa Norte-Americana, secundada pela União Europeia, que surge presentemente como o mais sério factor de desestabilização do convívio na comunidade internacional, incluindo a ameaça de guerra nuclear. O plano militar operacional dos EUA, um plano centralizado concebido durante a Guerra-Fria, foi depois reformulado sob a designação de Operations Plan 8044, compreendendo agora um conjunto de vários planos de acção menores e mais flexíveis, visando intervenções rápidas e potencialmente “preventivas”, dirigidas a alvos considerados ameaçadores (“rogue states”) em várias partes do mundo. Neste quadro, a eficácia do Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares encontra-se preocupantemente ameaçada, o que ficou evidenciado durante a 75ª conferência das partes signatárias (Nova Iorque, Maio de 2005) em impasses relativos à sua aplicação, incluindo o desarmamento nuclear.

As “armas de destruição maciça” têm surgido repetidamente no argumentário em prol da militarização e da intervenção externa por parte dos dois blocos político-militares Atlânticos. Os planos de acção adoptados em 2003 pelas partes da Convenção sobre Armas Químicas (CWC, 1993) segue seu curso, e mais oito países aderiram à Convenção em 2005. Mas os stocks dos EUA e da Rússia, não obstante reduções, permanecem a níveis muito elevados, e sob suspeita de que novas armas são desenvolvidas. E todavia, a “comissão de monitorização, verificação e inspecção da ONU” (UNMOVIC) para o Iraque, tem sido hostilizada pelas potências ocupantes e por estas excluída de aceder àquele país, por forma a que as causas invocadas para a ocupação do Iraque iniciada em Março de 2003, possam hipocritamente manter ainda algum vislumbre de verosimilhança.

Quanto a armas biológicas, a situação é tecnicamente muito difícil de monitorizar e combater. As corporações no domínio das biotecnologias podem aqui colher enormes benefícios, quer pela valência dual civil e militar da I&D, quer pela ambivalência da I&D sobre métodos de ataque e de protecção, em guerra biológica. Em sentido positivo, o Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças (Estocolmo) começou a operar em 2005 e, no mesmo ano, a Assembleia Mundial de Saúde adoptou um novo regulamento sanitário que compele à partilha de dados de informação epidemiológica relativos a doenças infecciosas.

A par da inflexão e retoma da produção e comércio de armas, a década de 90 está assinalada por uma sucessão de acordos internacionais do foro militar. Reportando-nos à situação em Março de 2006, e limitando­‑nos aos acordos com mais amplo alcance, registamos: O Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa (CFE, 1990); Tratado para a Redução e Limitação de Armas Estratégicas Ofensivas (START-I, 1991), Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas (CWC, 1993), Convenção para a Proibição de Minas Anti­‑Pessoal (APMC, 1997). Porém, foram adoptados mas não estão em vigor: Tratado para a Redução e Limitação Adicional de Armas Estratégicas Ofensivas (START-II, 1993), Tratado para a Proibição Integral de Testes Nucleares (CTBT, 1996), Acordo relativo ao CFE de 1990 (1999). Entretanto, deixou de estar em vigor (Junho 2002) o Tratado para a Limitação de Sistemas Balísticos Anti-Míssil (ABM, 1972). Fazendo um balanço, o fim da Guerra-Fria está longe de se ter traduzido num desanuviamento, mesmo no desenvolvimento de armas e sistemas de armamentos que caracterizaram esse confronto nos planos global e regional. A Guerra-Fria não acabou de facto. Pelo contrário, renovadas doutrinas militares e securitárias vieram agravar o potencial de conflitualidade e alargar o âmbito geográfico e o universo de vidas ameaçadas. O que está conforme com a conjectura de que a agressividade e a indústria da guerra são ingredientes intrínsecos ao sistema capitalista.

É neste contexto que se assinalaram também substanciais reajustamentos político-militares no xadrez mundial, nos quais a União Europeia foi e é um dos principais actores.

A CUMPLICIDADE ATLÂNTICA

A nova estratégia geopolítica dos Estados Unidos, incorporando a “guerra ao terrorismo”, as intervenções “preventivas” e o controlo geo-estratégico de recursos e de rotas, com que procura segurar a sua hegemonia mundial, surge como justificação para a retoma do crescimento da despesa militar.

O enfoque dado pelas potências atlânticas na inovação tecnológica mais sofisticada, para justificar o desvio de recursos para investigação científica e desenvolvimento experimental (I&D) com fins militares, recorre à falsificação e abuso do conceito de “segurança” (pessoal e colectiva, interna e externa). Entretanto, o comércio internacional de armas promovido pelas mesmas potências, prospera e estimula a dissipação de recursos por muitos países, e suporta focos de conflito.

O governo federal dos Estados Unidos aplica mais de 50% do seu orçamento em I&D em objectivos militares – 75 mil milhões de dólares em 2006; nos últimos anos, o crescimento do orçamento governamental para I&D tem sido quase inteiramente devido ao crescimento do financiamento de I&D para a defesa; e o anunciado “plano para a defesa” da administração Norte-Americana antecipa um crescimento ainda mais acelerado nos anos futuros. Esta política militarista, dado o papel de centralidade que os EUA ocupam no plano internacional, repercute­‑se nas actividades científicas e tecnológicas em todo o mundo, designadamente no direccionamento das vias e linhas de pesquisa e na acessibilidade ao conhecimento; o que se sustenta no tradicional protagonismo dos EUA na “captação de cérebros” e na defesa feroz de patentes.

O sector militar, particularmente nos EUA e no RU, detém uma influência desproporcionada sobre os respectivos sistemas de Ciência, Engenharia e Tecnologia. A “relação especial” entre aquelas duas potências, fundada em tratado de cooperação militar e nuclear de 1958, sintomaticamente renovado em 2004, comanda não só a I&D militar como de facto condiciona todo o sistema científico e técnico desses dois países. Essa colaboração abrange o desenvolvimento de nova geração de armas nucleares, “bunker-busters” e munições nucleares de baixa potência, que pretendem diluir e iludir a distinção fundamental entre armas convencionais e armas nucleares, e socavam a sobrevivência do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Abrange ainda a I&D realizada em domínios novos ou emergentes – nano ciência e tecnologias, bio ciência e tecnologias, ciência e tecnologia espaciais, tecnologias da informação e comunicação, tecnologias nucleares – que é rapidamente militarizada através do peso e origem dos financiamentos disponíveis, em prejuízo das aplicações pacíficas que delas são legitimamente espectáveis; orientação e constrangimento que, como ficou dito, se ramifica e repercute negativamente na Europa e no mundo.

No Reino Unido, o governo mobiliza a “nação” para os seus desígnios guerreiros. O objectivo da defesa ocupa 40% dos meios humanos do sector público de I&D e absorve 30% do orçamento público para I&D (parte directamente através do Ministério da Defesa), muito mais do que é atribuído para I&D ao “Serviço Nacional de Saúde”. Sem preconceitos, a I&D para a defesa ou segurança é executada em estabelecimentos do estado (vários deles entretanto privatizados), em universidades, e directamente em laboratórios industriais.

Esta nova vaga de financiamento da I&D militar compreende tanto o financiamento directo de universidades – cátedras, bolsas de estudo, materiais “didácticos”, como também o financiamento de cerca de 20 consórcios (parcerias para a investigação na defesa e aeroespacial, centros de tecnologias para a defesa, torres de excelência, em que participam universidades, estabelecimentos oficiais, e corporações como a BAE, Boeing, Rolls Royce, QinetiQ, etc.), como ainda a cúmplice cooperação entre o Ministério da Defesa e os Conselhos de Investigação (Science Research Councils) na atribuição conjunta de financiamentos.

A MILITARIZAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA

A União Europeia pretende tornar-se na potência económica mais competitiva do mundo, baseada na transição para uma “economia do conhecimento” (a anunciada Estratégia de Lisboa, 2000), e assumir-se como um importante bloco político-militar no palco mundial. Essas duas metas estratégicas têm uma conexão: a Investigação Científica e o Desenvolvimento Tecnológico (I&D) para fins militares. Esta encontra-se altamente concentrada nuns poucos países: o Reino Unido, a França, a Alemanha e a Espanha, quatro países que concentram a quase totalidade do orçamente público atribuído a I&D militar na União.

Na União Europeia, a despesa total com a defesa atingiu 169 mil milhões de Euro ou seja 1,7% do PIB em 2003. Um também pequeno grupo de países – Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Espanha e Suécia – somam 90% da produção militar e 80% da despesa militar da União (EU-25). As maiores corporações aqui sediadas são a EADS (capital Alemão-Francês-Espanhol), BAE Systems (Reino Unido), Thales (multinacional de origem Francesa) e Finmeccanica (Itália).

Importa entender a Política Europeia Externa e de Segurança (EFSP), o novo quadro conceptual e operativo da presença militar da União no mundo, na sua gestação e na sua conexão com outras políticas, e no contexto do complexo processo de “construção Europeia”.

A União Europeia foi um bloco político-económico não militar até ao Tratado de Maastricht (1992), quando a Política Externa e de Segurança Comum (CFSP) e a Política de Assuntos Internos (JHA) foram adoptados como novos “pilares” fundadores da União Europeia. O Tratado de Amsterdão (1997) abriu caminho à assimilação da União da Europa Ocidental (WEU), uma aliança militar cuja origem remonta ao Tratado de Bruxelas de 1948, e ao desenvolvimento de uma Política Europeia de Segurança e Defesa (ESDP), que viriam dotar a UE com capacidade militar própria. Tendo o Tratado de Amsterdão entrado em vigor em Junho de 1999, em Dezembro desse mesmo ano foi acordada a criação de uma força militar de “intervenção rápida”, e criado o cargo de Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum (CSFP). Este cargo foi assumido por Javier Solana, ex-secretário-geral da OTAN, de seguida empossado também como secretário-geral da WEU. Estas rápidas evoluções passaram largamente à margem de decisões de órgãos políticos nacionais e da compreensão das opiniões públicas.

A abordagem técnico-militar do processo de militarização da União parece ter tido um ponto decisivo na cimeira Franco­‑Britânica (Declaração de Saint Malo, Maio 1998), tendo prosseguido na Conferência sobre Compromisso de Capacidades (Capabilities Commitment Conference, Bruxelas, Novembro 2000), onde foram fixadas metas e compromissos concretos para a constituição de uma Força Europeia de Reacção Rápida (ERRF), no Conselho de Ministros da União da Europa Ocidental (WEU) que aprovou a Declaração de Marselha (Marselha, Novembro 2000) – pela qual a WEU assume a transferência das suas atribuições e o termo das suas missões para órgãos e estruturas da EU, em particular o Grupo de Armamentos da Europa Ocidental (WEAG). O Conselho Europeu de Nice (Dezembro, 2000) consagrou a assumpção das graves opções traduzidas no Tratado de Nice (Fevereiro, 2001), de rectificação ao Tratado da União Europeia, tornando a ESDP em projecto militar operacional e com ambição global. Foi um trajecto em marcha acelerada visando converter a União Europeia em uma potência militar supranacional.

A Guerra nos Balcãs, que conduziu ao desmembramento da República Federal da Jugoslávia (1991 a 2001), onde vários países Europeus intervieram indirectamente ou participaram abertamente integrados na NATO e com o beneplácito da ONU, foi a tela de fundo sobre a qual decorreu o processo de militarização da União Europeia. A guerra nos Balcãs, artificiosamente suscitada e alimentada por factores externos aos povos da região, serviu de pretexto facilitador para as alterações que paralelamente foram sendo introduzidas no plano político e institucional da União Europeia, desde o Tratado de Maastricht (Fevereiro de 1992) até ao Tratado de Nice (Fevereiro de 2001), este já conferindo à União “capacidade para gestão de crises”. A primeira missão militar executada já formalmente por forças Europeias em nome da União aconteceu em Janeiro de 2003 na Bósnia­‑Herzegovina, quando uma força de sete mil soldados já no terreno como forças da NATO, simplesmente mudou de insígnias. Esta foi apenas a primeira de uma agora já longa série de missões, primeiro nos Balcãs e depois em outros continentes.

Só no ano de 2005, foram iniciadas pela União Europeia seis novas missões ao abrigo da Política de Segurança e Defesa Europeia, o número mais elevado para uma organização regional num só ano, o que assinala uma nova etapa do envolvimento da Europa em missões de policiamento “pela paz” e a sua determinação em se assumir como actor da “segurança global”. Este protagonismo contribuiu para que 2005 ficasse assinalado por 58 “missões de paz” (das quais apenas 21 sob a jurisdição da ONU), num total de 590 mil militares e 175 mil civis colocados no terreno (os maiores contingentes sendo os que estavam já colocados no Iraque).

A documentação oficial confirma que a relação íntima e duradoura com a NATO é parte crucial da Política de Segurança e Defesa Europeia (ESDP) e visa uma parceria estratégica “genuína” na “gestão de crises”. A articulação é feita através do Comité Político e de Segurança (PSC) com o Conselho do Atlântico Norte (NAC); mas existem outros níveis de articulação mais próximos de funções operacionais, através do Comité Militar (EUMC) e do Estado-Maior Militar (EUMS). Estas três estruturas da ESDP foram decididas no Conselho Europeu de Nice, (Dezembro de 2000), e foram sendo constituídas no primeiro semestre de 2001. Foram estas estruturas que suportaram a “gestão de crise” entre a UE e a NATO para a intervenção nos Balcãs, sob a direcção política do Alto Representante para a CFSP Europeia e o Secretário-Geral da NATO.

Em 2003, sob proposta de Javier Solana, agora enquanto responsável pela Política Externa e de Segurança Europeia (EFSP), foi exposta no Conselho Europeu de Salónica e adoptada no de Bruxelas a Estratégia de Segurança Europeia. Vários analistas assinalam paralelismos e convergências entre este documento Europeu e o congénere “Projecto para o Novo Século Americano”, publicado em Setembro de 2000, e a matriz do novo conceito estratégico da NATO, adoptado na cimeira de Washington em Abril de 1999. São denominadores comuns: o policiamento de ameaças “globais”; o direito de “ingerência humanitária”, a “gestão de crises” e as intervenções “preventivas” em estados terceiros; a “longa guerra” contra o terrorismo; o aprovisionamento de recursos vitais; o alargamento a Leste da UE e da NATO, a íntima cooperação Atlântica e a presença na Europa de forças convencionais e nucleares dos EUA, etc.

É um plano não contra uma ameaça militar concreta mas sim contra “um novo inimigo global”. É afinal o plano pela sobrevivência do status quo do poder político instalado no sistema capitalista vigente, ameaçado pela emergência de outros pólos político-económicos, e em competição por recursos essenciais escassos.

Já suportada no Tratado de Nice, tendo em vista robustecer a capacidade militar da União, a Comissão Europeia criou, em Julho de 2001, o Grupo Europeu de Aconselhamento Aerospacial (EAGA), integrando cinco comissários da CE, dois deputados do PE, sete directores de corporações aeroespaciais (EADS, BAE Systems, EADS, Finmeccanica, Thales, Rolls-Royce, SNECMA), e presidido por Javier Solana (uma vez mais). Este elaborou um documento estratégico designado STAR 21, publicado em Julho 2002, que constitui um verdadeiro “caderno reivindicativo” e “caderno de encargos” para a indústria aeroespacial nas vertentes militar e civil. Seguindo uma abordagem análoga, em Comunicação de Março de 2003 – (COM 2003 113 “Para uma Política Comunitária em Matéria de Equipamento de Defesa”), a Comissão propôs a criação de um Quadro Europeu para o Equipamento de Defesa, sob a superintendência de uma novel Agência, que deveria coordenar programas nacionais e promover programas colaborativos de I&D, e programas de aquisições, suportada no orçamento da União. Essa intenção apareceu logo de seguida acolhido na minuta da “Constituição Europeia” (Art.º 40(3): «… Estados Membros comprometem-se a progressivamente reforçar as suas capacidades militares …») e terá sido um dos argumentos que veio a suscitar a rejeição da “Constituição” pelas opiniões públicas da França e dos Países Baixos. Em Julho de 2004, mal o Tratado de Constituição tinha sido assinado (mas ainda não iniciada a sua ratificação), já estava criada a prometida Agência Europeia de Defesa (EDA) e foi designado o seu chefe – Javier Solana uma vez mais. O compromisso das potências económicas e também militares com a indústria armamentista é evidente. E a vocação federalista desses interesses económicos e políticos na “construção Europeia”, também.

O COMPLEXO MILITAR INDUSTRIAL

O complexo militar e industrial (assim designado pela primeira vez em 1961 por Eisenhower) evoluiu, após o fim da Guerra-Fria, para uma forma de complexo segurança e industrial, mais abrangente, sinuoso e nefasto no seu funcionamento e nas suas consequências para os regimes políticos.

Domínios de I&D mais recentes e promissores, beneficiando de simpatia civil e de importantes atribuições de fundos pelas potências industriais, são pretexto de fortes financiamentos públicos para investigação colaborativa articulada entre corporações militares, laboratórios de estado e universidades. A sua discreta bivalência civil e militar é cultivada por uns, como a finalidade militar é obscenamente exibida por outros. Como resultado, as muitas corporações armamentistas mantêm igualmente importantes negócios nas esferas tanto civil como militar (veja-se a Boeing), quer captando generosos financiamentos públicos para fins militares, que depois se convertem também em produtos civis, quer captando graciosas invenções civis que depois são convertidas em fabulosamente rendosos “produtos” militares.

Como causa e efeito desta inventiva arquitectura de fluxos financeiros, um reduzido número de corporações exerce discreta mas grande influência política sobre a Comissão Europeia e os governos Europeus.

O lobby das corporações e demais formas de organização do capital, que influenciam e aconselham os departamentos e os órgãos decisores da União, atinge para cima de dez mil agentes profissionais em Bruxelas. As grandes corporações e suas federações têm acesso privilegiado e acento em órgãos de aconselhamento ao mais alto nível. A BAE Systems (de base europeia) e a Lockheed Martin (de base norte-americana), duas das maiores corporações militares do mundo, são dois bons exemplos de influente poder económico, igualmente bem relacionadas e instaladas em ambos os lados do Atlântico. Variados comités consultivos e grupos de pressão sob designações eufemísticas, influenciam ou até determinam quer a orientação da investigação científica quer as aquisições de armamentos. O mais importante, e recentemente criado lobby do complexo militar industrial é a Associação de Indústrias Aeroespaciais e de Defesa da Europa (ASD) que resultou da fusão, em 2004, de Associação Europeia de Indústrias Aeroespaciais (AECMA), Grupo Europeu de Indústrias de Defesa (EDIG), e Associação da Indústria Europeia Espacial (Eurospace), e em cujos executivos têm acento os CEO das maiores corporações armamentistas Europeias.

Entre as grandes corporações no “negócio da guerra”, QinetiQ é uma corporação de “nova geração”, que combina desinibidamente as esferas da alta finança, da grande indústria, e da íntima cumplicidade militar entre os EUA e o Reino Unido. Criada em 2001 a partir de uma Agência pública dependente do Ministério da Defesa britânico, é a companhia britânica líder no sector da defesa e da segurança. Foi privatizada no ano seguinte e 31% do capital adquirido pela Carlyle Group (EUA); em Janeiro de 2006, o governo britânico anunciou o lançamento da QinetiQ na bolsa de valores. O auto-retrato da empresa oferecido pelo seu sítio web, tem tanto o mérito de ser desinibido quanto o vício de ser obsceno.

A 9 de Fevereiro de 2006 em Bruxelas, Javier Solana, Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Europeia, agora também Presidente da Agência Europeia de Defesa, perante e com o apoio de líderes governamentais e empresariais, apelou para o reforço do financiamento da I&D militar. «Ao entrar no século XXI enfrentamos um contexto estratégico radicalmente novo – novas ameaças e desafios, que requerem novas missões das nossas forças armadas (…) devemos conjuntamente despender mais. Esta é uma questão maior e a principal razão de ser desta Agência (…) E necessitamos de uma indústria Europeia de defesa globalmente competitiva». O Vice-presidente da Comissão Europeia Günter Verheugen afirmou que I&D requer em geral mais fundos e mais coordenação, especialmente quando as agendas e as tecnologias para a defesa e a segurança civil se aproximam umas das outras. «Operações do sector da segurança civil e do sector militar assemelham-se – e cada vez mais». O Presidente da Associação de Indústrias Aeroespaciais e de Defesa da Europa (ASD) Thomas Enders, também CEO da EADS, anunciou uma mudança de paradigma para a I&D Europeia. «… A Agência de Defesa Europeia (EDA) deve agora obter meios para assumir o seu papel na I&D para a Defesa (…) Proponho, para começar, criar um orçamento comum para I&D de digamos 50 milhões de Euro logo que os orçamentos nacionais o permitam…».

O pensamento único dominante recorre em palavras e actos à superioridade da força militar para se impor, publicamente disfarçado sob o falacioso argumento da segurança, e serve os interesses comerciais da indústria armamentista. A confidencialidade comercial e o interesse da segurança nacional e dos compromissos internacionais são argumentos usados e abusados para a atribuição de privilégios e a condução de políticas secretivas fora de controlo democrático.

A investigação militar, dominada pelas mesmas potências militares, e os apoios públicos que recebe, aparece justificada e legitimada quer pelo cenário das “novas ameaças” geralmente apresentadas como transcendentes e globais, quer pela dualidade civil e militar das tecnologias desenvolvidas, portanto potencialmente pacíficas e benéficas. Mas a dura realidade é o desenvolvimento concreto de novos conceitos de armas, mísseis e bombas nucleares de “nova concepção”, dispositivos e instrumentos de vigilância e controlo, etc.

A presente atribuição de recursos para o desenvolvimento armamentista é um desvio da sua atribuição para fins pacíficos, de justiça social e prosperidade económica. O conceito de “segurança” tem sido desvirtuado e manipulado insistentemente, com o propósito de negligenciar muitas das necessidades básicas da humanidade, e cumulativamente “justificar” o controlo da opinião e dos movimentos cívicos e de massas.

O complexo militar e industrial, agora mais em nome da “segurança” do que da “defesa”, vai tomando de assalto a direcção política e a atribuição de recursos no espaço Europeu: na União e no séquito de países que impõem ou que se submetem aos desígnios do capital internacional e globalizado.

Rui Namorado Rosa
ODiario.info
http://www.infoalternativa.org/autores/ruinrosa/ruinrosa016.htm

segunda-feira, outubro 30, 2006

Inédito: empregado do mês de Julho de um McDonalds foi visto esta semana a trabalhar

Violante Cabral, responsável dos recursos humanos da empresa chamou os jornalistas para prestar declarações numa conferência que teve lugar no salão nobre da Hospedaria A Papoila. “É totalmente falso que o funcionário Zé Beto, empregado do mês de Julho do McDonalds de Vermoil, esteja a trabalhar nesse estabelecimento. Que fique bem claro. A nossa política com o pessoal é sempre a mesma. Quem recebe o prémio de empregado do mês recebe logo os papéis para o fundo de desemprego”. Vários órgãos de comunicação social continuam a acusar Violante Cabral de ter mentido quando este afirmou ter uma exposição no seu escritório com fotos dos empregados do mês em lágrimas.
http://biscoitointerrompido.blogspot.com/

Defensores da teoria da Terra plana exigem retirada de globos das salas de aula

A Liga para a Promoção da Teoria da Terra Plana (LPTTP), instituição apologista de que o planeta em que vivemos é plano e não esférico, vai pedir ao Ministério da Educação a retirada de todos os globos terrestres das salas de aula por considerar que são um obstáculo à livre escolha pelos alunos da teoria que desejam adoptar. Para Madalena do Sagrado Prepúcio, presidente da LPTTP, “se uma corja de ateus pode pedir a retirada dos crucifixos, nós também temos o direito de defender as nossas crianças de convicções que acreditamos serem erróneas.” Confrontada com o facto de a esfericidade da Terra ter sido provada cientificamente, explica que “não é bem assim porque temos três cientistas conceituados do nosso lado e apenas dois sofrem de alcoolismo severo.” Além disso, acrescenta que “mais provada está a existência de Deus, pois basta ir a Fátima ver como só por milagre gente tão pobre e doente consegue dar tanto lucro ao santuário e arrastar-se de joelhos durante quilómetros.”
http://www.inepcia.com/sociedade.html#21

O momento Zen da segunda-feira

João César das Neves (JCN) tem substituído a habitual homilia das segundas-feiras por artigos de opinião com manifesto prejuízo dos leitores que procuram nas prédicas do devoto os ensinamentos das missas a que se baldam e o tratamento para o fígado.JCN não é um desses devotos que viajam de joelhos, de língua estendida, a caminho da eucaristia. Não se priva da rodela de pão ázimo com que lambe a comissura dos lábios como os mais glutões soem fazer com o leitão da Bairrada; não falta à confissão nem deixa de rezar o terço que a Irmã Lúcia recomendou, a rogo da Senhora de Fátima, uma Virgem voadora que fazia das azinheiras aeroporto. Mas não faz figuras tristes na rua.JCN não estraga as calças de bom corte a fazer gincanas de joelhos à volta da capelinha das aparições, faz desporto em beatas homilias nos jornais e nos livros que publica.No Diário de Notícias de ontem JCN dissertou sobre «A vida de Deus em mim» - salvo seja. «Hoje nas sociedades laicizadas vê-se muito Deus» - garantiu o prosélito. Onde andará o Deus dele que não aparece nos cafés, na via pública, nos escritórios, nos sítios por onde passam as pessoas normais?Andará Deus na clandestinidade com medo de ser apanhado sem identificação ou só aparece ao padre Vaz Pinto e a ele próprio, como ambos alegam?JCN diz que «a grande surpresa, a única Boa Nova que o mundo recebe é que Deus vem pessoalmente viver aqui no meio de nós». Será que já alugou casa, fez o contracto do gás, electricidade e água ou vai viver com o padre Vaz Pinto e o JCN?Estes dois publicitários do divino dizem que não podem viver sem Deus. Para eles é o urso de peluche a que as crianças se agarram para vencer o medo.Deus é uma espécie de anti-depressivo de que carecem pessoas pouco estáveis ou mais supersticiosas. É um placebo de resultados comprovados em pessoas instáveis mas pode tornar-se perigoso quando os clientes querem impor aos outros a mesma receita.Eu já tomei óleo de fígado de bacalhau em doses suficientes. Deixo Deus só para eles. O pior é que os prosélitos não desistem de o impingir aos outros.
Carlos Esperança
http://www.ateismo.net/diario/

O Papa e o Islão

Se uma andorinha não faz a Primavera, uma verdade não transforma um aldrabão numa referência ética.O Papa usou um subterfúgio para dizer que o Islão é incompatível com a liberdade e a democracia. Dizendo o óbvio esqueceu que Pio IX disse o mesmo da Igreja católica.De facto, as igrejas são incompatíveis com a liberdade porque atribuem a Deus a autoria de uns livros que denominam sagrados e consideram imutáveis. Os golpes de rins dados por exegetas mais sagazes limitam-se a tornar suportável a vontade divina que os padres divulgam. Emendam a fraude criada em épocas mais bárbaras e cruéis.Não devemos confundir religião com crentes. Uma é o veneno, os outros são as vítimas. Os islamitas apreciam no Ocidente sobretudo a liberdade religiosa e os árabes podem ser ateus e agnósticos. A islamização é um processo de submissão imposto pelo terror. A pena de morte é um risco para a dúvida e o método para evitar deserções ou cismas.A Europa conseguiu impor a laicidade e domesticar o cristianismo. O Médio Oriente não tem actualmente condições para corrigir o fascismo islâmico, impor a separação do estado e da igreja e o reconhecimento dos Direitos Humanos.Os livres-pensadores têm a obrigação de defender o direito à liberdade de expressão do Papa, por maior certeza que tenham da sua vontade em suprimi-la aos outros.O que não podem nem devem conformar-se é com o aproveitamento de quem pretende opor-se ao perigo islâmico sob a égide de um novo perigo - outra religião, sob a sua influência.Não se combate o cancro com a SIDA.O remédio está no aprofundamento da laicidade do Estado e na ajuda aos sectores laicos das sociedades submetidas à tirania religiosa. O resto é preconceito.
Carlos Esperança
http://www.ateismo.net/diario/2006/10/o-papa-e-o-islo-2.php

Central do rapto e da tortura

Em Novembro de 2005, Dieter Wiefelspütz, responsável do Partido Social-Democrata Alemão pela política de Segurança, formulava a posição do SPD face à utilização ilegal do território e do espaço aéreo alemães pela CIA nos seguintes termos: «Não temos nada a ver com o que os americanos fazem com as suas bases», isto é, a Alemanha não exerce qualquer controlo sobre quem vai a bordo dos aviões e sobre o que transportam, e acrescentava: «nós próprios queremos que seja assim» (Spiegel Online, 25.11.05).

O escândalo do rapto e da tortura por um comando da CIA do cidadão alemão Khaled Al Masri, com o objectivo de esclarecer pormenores da sua vida privada a que só os serviços secretos alemães poderiam ter tido acesso, e a recusa de Berlim em esclarecer uma situação que já se arrasta há mais de dois anos, colocou de novo no centro da actualidade toda uma zona obscura da colaboração entre a Alemanha e os Estados Unidos no quadro da chamada “guerra contra o terrorismo”.

Aquilo, que, até há pouco tempo, vinha a ser apresentado oficialmente como um fechar de olhos face ao amigo americano – o que, só por si, já seria extremamente grave à luz da ordem jurídica alemã – está a revelar­‑se cada vez mais como o resultado de uma estreita colaboração e do envolvimento directo da Alemanha e de outros estados europeus na rede clandestina de raptos, prisões ilegais, tortura e interrogatórios violentos.

Aliás, o que se passou com Al Masri, pacífico chefe de família e pai de três crianças, não é um caso isolado. Murat Kurmaz, um outro cidadão alemão, maltratado no Afeganistão por elementos da tropa especial da Bundswehr, KSK, ficou quatro anos a apodrecer em Guantánamo, onde foi interrogado por agentes de Berlim, sem que até hoje lhe tenha sido dada qualquer explicação.

Qual o grau de colaboração entre a Alemanha e os Estados Unidos no labirinto das prisões secretas da CIA e no rapto dos prisioneiros? Porque é que especialistas alemães têm participado em interrogatórios nos centros de tortura norte-americanos? Quais as informações fornecidas a Washington por agentes dos serviços secretos de Berlim estacionados em Bagdade sobre alvos a atingir pelos bombardeamentos americanos e que levaram o Pentágono a condecorá-los pelos serviços prestados aos Estados Unidos? Como foi possível que não só o aeroporto de Frankfurt mas um elevado número de aeroportos alemães se tenham transformado no maior ponto de convergência dos aviões que transportam bandos ilegais de raptores? A resposta a estas questões tem sido bloqueada sistematicamente pelo governo da coligação Merkel/SPD, o que obrigou o deputado Noskovic, membro da comissão de inquérito do Bundestag, a abandonar as suas funções por considerar que o relatório fornecido pelo Governo constitui «uma manobra de diversão».

Se dois jornalista do programa da ARD, Panaroma, conseguem em poucos dias ir à Carolina do Norte, localizar e identificar o bando de raptores e a empresa de aviões da CIA, a Aero Contractors, que executa tais operações, porque é que o Ministério Público de Munique continuava a afirmar em Setembro não possuir dados suficientes que permitissem a emissão de mandatos de captura?

O escândalo dos voos ilegais da CIA está a revelar a existência de uma verdadeira central transatlântica secreta do rapto e da tortura com base em estruturas de poder paralelas e clandestinas, as quais, à margem dos poderes institucionais e dos princípios constitucionais, têm conduzido cada vez mais estados europeus a abdicar na prática do exercício dos seus direitos territoriais e de soberania em favor dos Estados Unidos.
Rui Paz
http://www.infoalternativa.org/europa/e054.htm

Os esforços do Le Monde para desacreditar a Resistência iraquiana

Na sua edição de 23 de Setembro de 2006, o Le Monde consagra um artigo à apresentação de relatórios da Comissão dos Direitos Humanos da ONU que quantificam o aumento do número de civis mortos no Iraque e assinalam a generalização da tortura, inclusive nos centros de detenção oficiais, sublinhando a responsabilidade do governo e das forças da Coligação.

Para isso, o secretariado da redacção do Le Monde compilou despachos das agências AP e AFP e acrescentou um subtítulo e um título.

O subtítulo, “Iraque: violências intercomunitárias, torturas e raptos”, estabelece que as violências resultam das rivalidades intercomunitárias como se o país não estivesse ocupado por forças estrangeiras.

O título, “A guerrilha iraquiana transforma reféns em kamikazes, segundo o ministro da Defesa”, introduz duas palavras que não se encontravam nos despachos originais: “guerrilha” e “kamikaze”.

Para o dicionário Hachette, a palavra “guerrilha” significa «pequeno grupo de partisans». Para o Le Monde, o termo abrange os três grupos designados nos despachos como a «rebelião» (isto é, a Resistência à ocupação), o «banditismo» (os criminosos de direito comum) e os «esquadrões da morte» (os colaboradores da ocupação).

Para o dicionário Hachette, a palavra “kamikaze” designa «o piloto de um avião japonês carregado de explosivos que ele fazia voluntariamente embater sobre os navios inimigos». Por extensão, aplica-se a qualquer combatente que empreende uma acção militar sacrificando deliberadamente a sua vida.

Para o Le Monde, deve ter um significado bem diferente, já que se faz referência no artigo às declarações de Saadun Al-Duleimi, segundo o qual a rebelião armadilha os veículos dos reféns que liberta e despoleta depois explosões à distância. Para o ministro da Defesa iraquiano, é evidente que os reféns libertados não foram “devolvidos”, mas servem sem querer para transportar bombas para as zonas “securizadas”.

Com esta formulação enviesada e estes desvios semânticos, o subtítulo e o título do diário atlantista francês de centro­‑esquerda iliba as forças estrangeiras de qualquer responsabilidade nas violências, nos raptos e nas torturas, colando à Resistência uma imagem de fanatismo. [1]

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[1] A título de exemplo: «70% das bombas de qualquer tipo explodidas no Iraque em Julho de 2006 tiveram por alvo as tropas estrangeiras de ocupação e 20% os novos corpos de segurança iraquianos; os 10% restantes corresponderam a ataques indiscriminados ou sectários contra civis, dos quais a resistência não se considera responsável». Cf. Carlos Varea, O número de ataques da resistência duplicou em 2006, Iraqsolidaridad, 06/09/2006. (n. IA)
Voltaire
http://infoalternativa.org/midia/midia046.htm

O preço da segurança

Nos países mais desenvolvidos está em curso uma mudança profunda nas prioridades dos governos, com enormes implicações para o relacionamento entre cidadãos e governos. A mudança pode resumir-se assim: do bem estar social para a segurança. Até à década de 1980, o bem estar social tinha total prioridade na acção governamental. A qualidade das políticas sociais na área do trabalho, saúde, educação e segurança social era o critério por que se aferia a qualidade da governação. A segurança dos cidadãos frente à violência, o crime e os acidentes estava intimamente ligada ao bem estar, sendo vista como resultando dele. Por sua vez, a segurança colectiva estava assegurada pela ordem internacional multilateral assente na Guerra Fria. Com o triunfo do neoliberalismo e o colapso da União Soviética, tudo começou a mudar. As políticas sociais começaram a perder prioridade e deixaram de ser vistas como um factor de segurança. Esta passou a ser vista como a nova prioridade dos governos, ao mesmo tempo que a segurança internacional foi confiada aos EUA. O aumento da criminalidade, a imigração e, por fim, o terrorismo vieram dar força acrescida a esta mudança. Aumentaram os orçamentos públicos da segurança, ao mesmo tempo que surgiu uma nova indústria, a indústria da segurança, hoje uma das mais rentáveis.

Esta mudança tem um impacto múltiplo. Na área do bem estar social, passaram a dominar duas ideias: pode faltar dinheiro para as políticas sociais mas não pode faltar para a segurança; o declínio do bem estar (e o aumento das desigualdades) não é considerado um factor de insegurança. Nas relações entre cidadãos, as solidariedades básicas, a hospitalidade, a curiosidade desprevenida e a entreajuda vão sendo substituídas pela suspeita e temor de estranhos, xenofobia, preferência pelo familiar e privado, condomínios fechados e, no limite, guerra civil. O vizinho passou a ser um estranho e, potencialmente, um inimigo. E o mesmo se passa nas relações internacionais. Para além da lógica belicista e do unilateralismo, floresce a moda dos muros, transformando os países igualmente em condomínios fechados. Muros planeados ou em curso: 747 km entre Israel e a Palestina; 814 km entre a Arábia Saudita e o Iraque; 1120 km entre os EUA e o México.

Por último, a prioridade absoluta da segurança pode vir a ter um impacto devastador na democracia, porque torna possível o ataque à democracia em nome da defesa desta. A vigilância começa a ser permanente e indiscriminada (por exemplo, as contas pagas com cartões de crédito são globalmente monitoradas). Em resultado, os governos sabem cada vez mais sobre as acções dos cidadãos e os cidadãos, cada vez menos sobre as acções dos governos. Em nome da guerra contra o terrorismo, cometem-se atrocidades jurídicas, de que o exemplo mais extremo é “a lei das comissões militares” que acaba de ser promulgada nos EUA. Nos termos desta lei, qualquer não cidadão que seja declarado “combatente inimigo ilegal”, pode ser detido indefinidamente, torturado em violação da Convenção de Genebra, e a confissão obtida sob tortura utilizada como prova. Mas a medida mais extrema é a eliminação do habeas corpus, uma garantia dos acusados desde o século XII. O detido não pode conhecer as razões da detenção nem questioná-las perante um juiz independente. Isto significa que, se alguém for detido por engano (erro de identificação) não tem nenhuma instância a que recorrer para o dizer e provar. Um advogado americano, almirante na reserva, declarou no Congresso que, com esta lei, os EUA se transformavam numa república das bananas. Este tipo de leis, cuja eficácia é duvidosa, suscita esta pergunta: até onde é possível desfigurar a democracia?
Boaventura de Sousa Santos
http://www.infoalternativa.org/autores/bss/bss053.htm

A Coreia do Norte e o duplo critério

O Conselho de Segurança da ONU aprovou sábado 14 a Resolução 1718/2006, a qual impõe duras sanções económicas, comerciais e armamentísticas à Coreia do Norte pelo seu ensaio nuclear de segunda-feira 9 de Outubro. O castigo imposto pela potências nucleares, nações que monopolizaram a tecnologia atómica para fins bélicos e ocupam os postos de maior importância no conselho, põe em evidência a hipocrisia que prevaleceu nesta crise. Não é gratuito que o embaixador norte-coreano perante as Nações Unidas, Pak Gil Yon, acuse o Conselho de Segurança de ter "dupla moral": por um lado, "não é capaz de mencionar uma palavra de inquietude para com os Estados Unidos", por outro, permite que este país ameace "com ataques nucleares preventivos e agrave as tensões reforçando as tropas armadas e realizando exercícios militares conjuntos em grande escala próximo à península coreana". O diplomata norte-coreano tem argumentos de sobra para acusar de hipocrisia os membros do conselho: os Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha realizaram no mínimo 2 mil detonações nucleares, na superfície ou subterrâneas, com o silêncio e inclusive a cumplicidade da ONU. Outros países foram tolerados por razões geoestratégicas, como a Índia, o Paquistão e Israel. Perante este panorama, que nação tem qualidade moral para decidir quem tem direito a possuir ou não esta tecnologia? Basta assinalar os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, cuja moralidade e civilidade supostamente garantem um bom uso dessas armas. A guerra contra o terrorismo empreendida por Washington desde há pouco menos de cinco anos deixou uma longa esteira de violações dos direitos humanos. E o Conselho de Segurança não actuou consequentemente, a contra-corrente inclusive da própria Carta da ONU, que reprova invasões unilaterais como a do Iraque. Tem Washington o direito de decidir quem usa ou não a energia atómica? Entretanto, os representantes estadunidenses nas Nações Unidas parecem actuar como se assim acreditassem. A resolução contra a Coreia do Norte não só contempla as sanções típicas: prevê também restrições derivadas da legislação anti-terrorista impulsionada por George W. Bush desde os ataque de 2001. A iniciativa Proliferação Segura, aprovada em 2003, estimula os países a proibir a compra e venda de armas à Coreia do Norte, Irão e outros países considerados perigosos pela Casa Branca, e inspirou uma disposição de que todos os países inspeccionem a mercadoria que sai ou entra naquele país asiático. Apesar de a China ter dito ao conselho que permitiria que se adoptasse a disposição, mas que não a aprovava, esta manobra mostra o desplante estadunidense nesta crise. Por um lado promove as sanções mais duras à Coreia do Norte, propondo inclusive o uso da força. Por outro, limita a margem de manobra para eventuais aproximações. Felizmente a China e a Rússia impediram ou suavizaram diferentes aspectos da sanção, como a menção de uma possível utilização da força para solucionar esta crise. "A China exorta firmemente os países interessados a adoptar uma atitude prudente e responsável a respeito, e a abster-se de tomar medidas provocatórias que possam intensificar as tensões", disse o embaixador de Pequim na ONU, Wang Guangya. Contudo, o caminho seguido pela comunidade internacional, encabeçada por Washington, está longe da prudência e da moral. Por um lado é incapaz de medir com a mesma vara situações semelhantes: o que é mais perigoso, os Estados Unidos com centenas de ogivas nucleares, ou a Coreia do Norte? Por outro, e capaz de condenar milhões de pessoas à miséria mais espantosa só para castigar um país que assume o seu direito à tecnologia de ponta.
La Jornada
http://resistir.info/

Portugal: O fascismo existiu e assassinou - Assassinados pela PIDE

Numa altura em que nos querem fazer crer que o fascismo nunca existiu, e que Salazar era apenas "autoritário", numa altura em que querem apagar os poucos vestígios físicos que ainda existem, convém relembrar que o seu braço mais sinistro, a PIDE-DGS, bem como outros braços armados do fascismo, perseguiram, torturaram e assassinaram muitos portugueses e patriotas africanos, e que os seus responsáveis e agentes nunca foram punidos nem sequer julgados. Para reavivar a memória, voltamos a publicar excertos de um texto da Comissão "Abril Revolucionário e Popular" em 2002, o qual inclui uma lista de mortos pelo fascismo.
9 de Dezembro de 2005
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* 1931, o estudante Branco é morto pela PSP, durante uma manifestação no Porto; * 1932, Armando Ramos, jovem, é morto em consequência de espancamentos; Aurélio Dias, fragateiro, é morto após 30 dias de tortura; Alfredo Ruas, é assassinado a tiro durante uma manifestação em Lisboa; * 1934, Américo Gomes, operário, morre em Peniche após dois meses de tortura; Manuel Vieira Tomé, sindicalista ferroviário morre durante a tortura em consequência da repressão da greve de 18 de Janeiro; Júlio Pinto, operário vidreiro, morto à pancada durante a repressão da greve de 18 de Janeiro; a PSP mata um operário conserveiro durante a repressão de uma greve em Setúbal * 1935, Ferreira de Abreu, dirigente da organização juvenil do PCP, morre no hospital após ter sido espancado na sede da PIDE (então PVDE); * 1936, Francisco Cruz, operário da Marinha Grande, morre na Fortaleza de Angra do Heroísmo, vítima de maus tratos, é deportado do 18 de Janeiro; Manuel Pestana Garcez, trabalhador, é morto durante a tortura; * 1937, Ernesto Faustino, operário; José Lopes, operário anarquista, morre durante a tortura, sendo um dos presos da onda de repressão que se seguiu ao atentado a Salazar; Manuel Salgueiro Valente, tenente-coronel, morre em condições suspeitas no forte de Caxias; Augusto Costa, operário da Marinha Grande, Rafael Tobias Pinto da Silva, de Lisboa, Francisco Domingues Quintas, de Gaia, Francisco Manuel Pereira, marinheiro de Lisboa, Pedro Matos Filipe, de Almada e Cândido Alves Barja, marinheiro, de Castro Verde, morrem no espaço de quatro dias no Tarrafal, vítimas das febres e dos maus tratos; Augusto Almeida Martins, operário, é assassinado na sede da PIDE (PVDE) durante a tortura ; Abílio Augusto Belchior, operário do Porto, morre no Tarrafal, vítima das febres e dos maus tratos; * 1938, António Mano Fernandes, estudante de Coimbra, morre no Forte de Peniche, por lhe ter sido recusada assistência médica, sofria de doença cardíaca; Rui Ricardo da Silva, operário do Arsenal, morre no Aljube, devido a tuberculose contraída em consequência de espancamento perpetrado por seis agentes da Pide durante oito horas; Arnaldo Simões Januário, dirigente anarco-sindicalista, morre no campo do Tarrafal, vítima de maus tratos; Francisco Esteves, operário torneiro de Lisboa, morre na tortura na sede da PIDE; Alfredo Caldeira, pintor, dirigente do PCP, morre no Tarrafal após lenta agonia sem assistência médica; * 1939, Fernando Alcobia, morre no Tarrafal, vítima de doença e de maus tratos; * 1940, Jaime Fonseca de Sousa, morre no Tarrafal, vítima de maus tratos; Albino Coelho, morre também no Tarrafal; Mário Castelhano, dirigente anarco-sindicalista, morre sem assistência médica no Tarrafal; * 1941, Jacinto Faria Vilaça, Casimiro Ferreira; Albino de Carvalho; António Guedes Oliveira e Silva; Ernesto José Ribeiro, operário, e José Lopes Dinis morrem no Tarrafal; * 1942, Henrique Domingues Fernandes morre no Tarrafal; Carlos Ferreira Soares, médico, é assassinado no seu consultório com rajadas de metralhadora, os agentes assassinos alegam legítima defesa (?!); Bento António Gonçalves, secretário-geral do P. C. P. Morre no Tarrafal; Damásio Martins Pereira, fragateiro, morre no Tarrafal; Fernando Óscar Gaspar, morre tuberculoso no regresso da deportação; António de Jesus Branco morre no Tarrafal; * 1943, Rosa Morgado, camponesa do Ameal (Águeda), e os seus filhos, António, Júlio e Constantina, são mortos a tiro pela GNR; Paulo José Dias morre tuberculoso no Tarrafal; Joaquim Montes morre no Tarrafal com febre biliosa; José Manuel Alves dos Reis morre no Tarrafal; Américo Lourenço Nunes, operário, morre em consequência de espancamento perpetrado durante a repressão da greve de Agosto na região de Lisboa; Francisco do Nascimento Gomes, do Porto, morre no Tarrafal; Francisco dos Reis Gomes, operário da Carris do Porto, é morto durante a tortura; * 1944, general José Garcia Godinho morre no Forte da Trafaria, por lhe ser recusado internamento hospitalar; Francisco Ferreira Marques, de Lisboa, militante do PCP, em consequência de espancamento e após mês e meio de incomunicabilidade; Edmundo Gonçalves morre tuberculoso no Tarrafal; assassinados a tiro de metralhadora uma mulher e uma criança, durante a repressão da GNR sobre os camponeses rendeiros da herdade da Goucha (Benavente), mais 40 camponeses são feridos a tiro. * 1945, Manuel Augusto da Costa morre no Tarrafal; Germano Vidigal, operário, assassinado com esmagamento dos testículos, depois de três dias de tortura no posto da GNR de Montemor-o-Novo; Alfredo Dinis (Alex), operário e dirigente do PCP, é assassinado a tiro na estrada de Bucelas; José António Companheiro, operário, de Borba, morre de tuberculose em consequência dos maus tratos na prisão; * 1946, Manuel Simões Júnior, operário corticeiro, morre de tuberculose após doze anos de prisão e de deportação; Joaquim Correia, operário litógrafo do Porto, é morto por espancamento após quinze meses de prisão; * 1947, José Patuleia, assalariado rural de Vila Viçosa, morre durante a tortura na sede da PIDE; * 1948, António Lopes de Almeida, operário da Marinha Grande, é morto durante a tortura; Artur de Oliveira morre no Tarrafal; Joaquim Marreiros, marinheiro da Armada, morre no Tarrafal após doze anos de deportação; António Guerra, operário da Marinha Grande, preso desde 18 de Janeiro de 1934, morre quase cego e após doença prolongada; * 1950, Militão Bessa Ribeiro, operário e dirigente do PCP, morre na Penitenciária de Lisboa, durante uma greve de fome e após nove meses de incomunicabilidade; José Moreira, operário, assassinado na tortura na sede da PIDE, dois dias após a prisão, o corpo é lançado por uma janela do quarto andar para simular suicídio; Venceslau Ferreira morre em Lisboa após tortura; Alfredo Dias Lima, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Alpiarça; * 1951, Gervásio da Costa, operário de Fafe, morre vítima de maus tratos na prisão; * 1954, Catarina Eufémia, assalariada rural, assassinada a tiro em Baleizão, durante uma greve, grávida e com uma filha nos braços; * 1957, Joaquim Lemos Oliveira, barbeiro de Fafe, morre na sede da PIDE no Porto após quinze dias de tortura; Manuel da Silva Júnior, de Viana do Castelo, é morto durante a tortura na sede da PIDE no Porto, sendo o corpo, irreconhecível, enterrado às escondidas num cemitério do Porto; José Centeio, assalariado rural de Alpiarça, é assassinado pela PIDE; * 1958, José Adelino dos Santos, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR, durante uma manifestação em Montemor-o-Novo, vários outros trabalhadores são feridos a tiro; Raul Alves, operário da Póvoa de Santa Iria, após quinze dias de tortura, é lançado por uma janela do quarto andar da sede da PIDE, à sua morte assiste a esposa do embaixador do Brasil; * 1961, Cândido Martins Capilé, operário corticeiro, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Almada; José Dias Coelho, escultor e militante do PCP, é assassinado à queima-roupa numa rua de Lisboa; * 1962, António Graciano Adângio e Francisco Madeira, mineiros em Aljustrel, são assassinados a tiro pela GNR; Estêvão Giro, operário de Alcochete, é assassinado a tiro pela PSP durante a manifestação do 1º de Maio em Lisboa; * 1963, Agostinho Fineza, operário tipógrafo do Funchal, é assassinado pela PSP, sob a indicação da PIDE, durante uma manifestação em Lisboa; * 1964, Francisco Brito, desertor da guerra colonial, é assassinado em Loulé pela GNR; David Almeida Reis, trabalhador, é assassinado por agentes da PIDE durante uma manifestação em Lisboa; * 1965, general Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos são assassinados a tiro em Vila Nueva del Fresno (Espanha), os assassinos são o inspector da PIDE Rosa Casaco e o subinspector Agostinho Tienza e o agente Casimiro Monteiro; * 1967, Manuel Agostinho Góis, trabalhador agrícola de Cuba, more vítima de tortura na PIDE; * 1968, Luís António Firmino, trabalhador de Montemor, morre em Caxias, vítima de maus tratos; Herculano Augusto, trabalhador rural, é morto à pancada no posto da PSP de Lamego por condenar publicamente a guerra colonial; Daniel Teixeira, estudante, morre no Forte de Caxias, em situação de incomunicabilidade, depois de agonizar durante uma noite sem assistência; * 1969, Eduardo Mondlane, dirigente da Frelimo, é assassinado através de um atentado organizado pela PIDE; * 1972, José António Leitão Ribeiro Santos, estudante de Direito em Lisboa e militante do MRPP, é assassinado a tiro durante uma reunião de apoio à luta do povo vietnamita e contra a repressão, o seu assassino, o agente da PIDE Coelha da Rocha, viria a escapar-se na "fuga-libertação" de Alcoentre, em Junho de 1975; * 1973, Amilcar Cabral, dirigente da luta de libertação da Guiné e Cabo Verde, é assassinado por um bando mercenário a soldo da PIDE, chefiado por Alpoim Galvão; * 1974, (dia 25 de Abril), Fernando Carvalho Gesteira, de Montalegre, José James Barneto, de Vendas Novas, Fernando Barreiros dos Reis, soldado de Lisboa, e José Guilherme Rego Arruda, estudante dos Açores, são assassinados a tiro pelos pides acoitados na sua sede na Rua António Maria Cardoso, são ainda feridas duas dezenas de pessoas. A PIDE acaba como começou, assassinando. Aqui não ficam contabilizadas as inúmeras vítimas anónimas da PIDE, GNR e PSP em outros locais de repressão. Mas ainda podemos referir, duas centenas de homens, mulheres e crianças massacradas a tiro de canhão durante o bombardeamento da cidade do Porto, ordenada pelo coronel Passos e Sousa, na repressão da revolta de 3 de Fevereiro de 1927. Dezenas de mortos na repressão da revolta de 7 de Fevereiro de 1927 em Lisboa, vários deles assassinados por um pelotão de fuzilamento, à ordens do capitão Jorge Botelho Moniz, no Jardim Zoológico. Dezenas de mortos na repressão da revolta da Madeira, em Abril de 1931, ou outras tantas dezenas na repressão da revolta de 26 de Agosto de 1931. Um número indeterminado de mortos na deportação na Guiné, Timor, Angra e no Cunene. Um número indeterminado de mortos devido à intervenção da força fascista dos "Viriatos" na guerra civil de Espanha e a entrega de fugitivos aos pelotões de fuzilamento franquistas. Dezenas de mortos em São Tomé, na repressão ordenada pelo governador Carlos Gorgulho sobre os trabalhadores que recusaram o trabalho forçado, em fevereiro de 1953. Muitos milhares de mortos durante as guerras coloniais, vítimas do Exército, da PIDE, da OPVDC, dos "Flechas", etc. 25 de Abril de 2002
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