quarta-feira, janeiro 31, 2007

David Sylvian - Ryuichi Sakamoto - Bamboo Music

Não há catolicismo progressista

Não há catolicismo progressista. Nunca houve. O que existe são católicos que tentam conciliar a sua pertença a uma organização autoritária e totalitária com o seu apreço pela democracia e pela tolerância. Mas a ICAR não é uma democracia, o catolicismo não é uma doutrina de tolerância, e a laicidade não é cristã.

Ricardo Alves
http://www.ateismo.net/diario/

O prémio para o melhor

Boas,
ando há uns dias a pensar no que escrever sobre a história do prémio para o "Melhor Professor".
Chegou-me hoje à caixa de correio uma declaração do Luís Represas sobre o assunto:

Correio da Manhã - A criação de um prémio para o melhor professor vai melhorar qualidade do ensino?

Luís Represas - Fazia sentido se o resto estivesse bem; seria o chantilly em cima do bolo... se houvesse bolo! A Educação tem sido maltratada em termos curriculares, profissionais e bem-estar dos alunos. Como é que se pode valorizar um prémio se um professor é penalizado em termos salariais quando frequenta cursos de formação?
In “Correio da Manhã”, 27/01/2007

Disse ele, digo eu!
http://serprof.blogspot.com/

A Igreja e a promoção da castidade

D. José Policarpo considera que a castidade surge como uma «vivência generosa e responsável da própria sexualidade».
Tudo bem, é a opinião dele. Eu tendo a não julgar a vida sexual alheia, desde que consentida entre os maiores envolvidos, e percebo perfeitamente que alguém teça estas considerações a respeito de qualquer forma de viver a sexualidade, desde as mais comuns na nossa sociedade, às menos comuns. Heterossexualidade, homossexualidade, sado-masoquismo, castidade, enfim... não me parece que se possa dizer que uma destas formas de viver a sexualidade é superior às outras, e que qualquer uma delas mereça algum desrespeito.

É por isso que gosto de viver numa sociedade que é extremamente tolerante para com a castidade, mesmo por opção do próprio. Não existem muitos casos de pessoas descriminadas, ou no acesso ao emprego, ou de qualquer outra forma tão injusta e flagrante, por decidirem optar pela castidade. É certo que é anti-natural, mas nunca dei qualquer espécie de valor a esse critério.

O que é certo é que todos os que optam pela castidade devem ser respeitados pela sua opção, e nós devemos entender que é uma opção que só a eles diz respeito. Nem condescendência, nem paternalismos, nem esforços para os fazer «mudar»! A castidade é uma opção tão legítima quanto qualquer outra.

No entanto, sou um pouco contra que se tente orientar o sistema educativo para promover esta opção em particular: «educação sexual é necessária mas deve apontar para a castidade»?? Não deve apontar para nada!

Não deve apontar para a homossexualidade, não deve apontar para o sado-masoquismo, não deve apontar para a castidade, não deve apontar para a heterossexualidade, não deve apontar para nada a não ser para uma escolha livre. A não ser para conhecer os riscos e a forma de se proteger deles. A não ser para conhecer o mundo que nos rodeia, e para ser responsável na opção que tiver sido tomada livremente.

João Vasco
http://www.ateismo.net/diario/

Algumas opiniões pessoais

Apresento algumas opiniões pessoais sobre o modo como os revolucionários deveriam trabalhar para levarem a cabo a sua tarefa.
Desejo centrar-me no movimento anti-autoritário, libertário, anarquista do princípio deste século XXI.
Existem várias abordagens possíveis para este problema. Não pretendo deter a sua exclusividade, nem sequer a melhor opinião sobre ele.


1) A nossa experiência mostrou-nos que o capitalismo do final do século vinte se reorientou para uma tendência mais agressiva, após a queda do império soviético. As políticas ditas neoliberais consistem num constante aumento do domínio dos capitalistas especuladores, parasitários, sobre quaisquer aspectos da vida humana, especialmente nos países que não estavam plenamente integrados nos mercados capitalistas mundiais. Agora, as regiões onde os capitalistas consideram valer a pena investir, são aquelas onde podem obter a mais rápida reprodução do capital investido, e isto significa a mais selvagem exploração dos assalariados e o controlo dos processos tecnológicos por um conjunto de ditas "protecções à propriedade intelectual", de patentes, para o que a OMC está investida do papel de legislador, juíz e polícia. A OMC é uma peça essencial do controlo imperialista sobre a economia mundial.
Os estados-nações (a maior parte são construções recentes, sobretudo dos dois últimos séculos) estão agora consagradas a um novo papel. Antes, funcionavam como meio de garantir o mercado interno à sua própria burguesia, protegendo-a parcialmente da concorrência no comércio, indústrias e investimentos de capitais estrangeiros. Agora, o Estado ficou confinado ao papel de facilitador do investimento externo, dos predadores e especulativos "venture capitalists", dos monopólios mundializados, destruíndo qualquer frágil protecção que as empresas capitalistas locais ainda tivessem, assim como os direitos que os trabalhadores tinham obtido ao longo de dois séculos de duras lutas.
Muitas regiões do Mundo são consideradas não interessantes para o investimento industrial. Estas são abandonadas para serem saqueadas por senhores da guerra locais, como é o caso de uma enorme parte da África sub-saariana, onde o Estado é uma mera ficção, apenas servindo para encobrir a predação das riquezas naturais pelas companhias transnacionais.
A capacidade da classe trabalhadora de cada país resistir a estes ataques foi diminuída pelas concepções, longamente mantidas, dos partidos reformistas e revisionistas que desempenharam um papel hegemónico durante a maior parte da segunda metade do século passado, no período da 'guerra-fria'.
Com a implosão do sistema soviético e a conversão plena da China às regras do mercado capitalista, os ataques aos direitos e rendimentos dos trabalhadores tornaram-se mais agressivos. Somos testemunhas do desmantelamento dos sistemas de segurança social, do aumento forçado dos trabalhadores desempregados e precários, tomando como pretexto a "racionalização" e a "reorganização para fazer face à concorrência", tudo isso resultando num decréscimo dos salários. Também vimos a privatização de redes de água, electricidade, caminhos de ferro, hospitais, escolas e quaisquer indústrias ou serviços pertença do Estado, que pudessem ser tornadas lucrativas para a finança e para o capitalismo especulativo.
Nos países ditos do "Terceiro Mundo", os regimes nacionalistas, herdeiros dos movimentos de libertação nacional dos anos sessenta e setenta, foram ameaçados por movimentos étnicos ou fundamentalismos religiosos, os quais se aproveitaram do desespero dos povos, visto que a promessa de "desenvolvimento" nestes países se transformou numa mera piada de mau gosto.
O nacionalismo do "Terceiro Mundo", ao fazer uma união sagrada, sob a condução da burguesia local, com a finalidade de conquistar a independência formal dos poderes coloniais, foi completamente incapaz de satisfazer as suas promessas de aumento dos padrões de vida, de levar a cabo uma reforma agrária, de construir uma indústria nacional, ou uma organização estatal equivalente à dos países do mundo rico.
Ficaram com o poder militar e com a burocracia estatal, mas perderam a simpatia dos trabalhadores e dos camponeses. Estes foram vítimas durante mais de um quarto de século, após séculos de poder colonial, de exploração brutal, de destruição de qualquer estrutura deixada pelos colonizadores. Eles foram as vítimas das guerras civis, assassinados ou recrutados à força pelos exércitos dos senhores da guerra ou estatais.
O fracasso histórico dos partidos autoritários, as auto-proclamadas 'vanguardas', a maioria seguindo uma ou outra variante do leninismo, conduziu - no seio do povo oprimido - ao descrédito da possibilidade de mudança radical, em direcção a uma sociedade sem classes, em direcção ao que nós chamamos a Revolução Social.
Nos países pobres do Sul, alguns movimentos populistas, nacionalistas ou de inspiração religiosa, exploraram o desespero trazido pela globalização imperialista-capitalista para desafiar os seus governos estabelecidos, mas de um modo contra-revolucionário. Naqueles países em que tais elementos nacionalistas ou fundamentalistas religiosos conseguiram tomar o poder, a liberdade de expressão ou de organização, assim como os direitos sociais, desapareceram completamente. A probabilidade de serem reconquistados, num futuro não muito longínquo, é frequentemente baixa.
Esta situação é mantida graças a uma rede de laços pós-coloniais e aos extremamente disruptivos "programas de ajustamento estrutural" sob supervisão do FMI/Banco Mundial.
O agravamento das opressões tornam o trabalho de organização e de educação mais difícil para os revolucionários. No entanto, também isolam a classe governante das populaçoes e verifica-se a emergência de novos movimentos, criando novas frentes na multiforme guerra de classes, desenhando-se uma nova coalizão anti-capitalista.. Esta escapa frequentemente ao controlo dos partidos de "esquerda" ou "esquerdistas" e das burocracias sindicais.
Os movimentos contra o trabalho precário e os baixos salários e a resistência à privatização da segurança social estão em crescendo e já conseguiram algumas vitórias parciais na U.E. Esta resistência aumentou o descrédito da burocracia sindical e dos partidos "de esquerda", pois se tornou bastante claro que estes não tinham nenhum empenhamento real em lutar para o quer que fosse, excepto para obter votos em eleiçoes. No entanto, os libertários europeus ainda não se tornaram, por agora, suficientemente fortes para pôr o sistema em risco. Podemos prever que - à medida que a crise dentro dos partidos de "esquerda" se vai tornando mais profunda - novas organizações, emergindo das coalizões informais originadas nas mobilizações 'anti-globalização' (dentro e fora da Europa) irão desempenhar um papel crescente nas lutas sociais do quotidiano.
À medida que o comportamento do imperialismo mais forte está forçando os outros poderes a conformarem-se com a sua hegemonia mundial, vai tambem tornando-se cada vez mais frágil e sujeito a ataques. mesmo dos seus prévios aliados, financiados, treinados e armados para combater contra a União Soviética, tal como foi ilustrado em 11 de Setembro de 2001. O comportamento caótico do capitalismo global vai tornar-se cada vez mais destruidor. O ecossistema global já está correndo serios riscos e os problemas derivados da degradação do ambiente, do aquecimento global, do abastecimento em água, da erosão dos solos, do êxodo rural, etc. irão causar crises sociais severas e guerras.


2) A parte mais sofredora do Mundo não tem meios para se auto-emancipar dos países ricos e depredadores do Norte. Será difícil imaginar como poderão fazê-lo os países mais frágeis. Para poderem seguir uma via não-capitalista, estes países teriam que possuir capacidade técnica autónoma; no entanto, o seu sistema de ensino está longe de satisfazer, em muitos casos, esses requisitos. A globalização capitalista está aí para extrair os custos do trabalho mais baixos, nem que seja trabalho infantil, para maximização dos lucros. Neste contexto, não se pode excluir a hipótese de um declínio importante em toda a espécie de "padrões civilizacionais", com uma viragem acelerada para ditaduras cada vez mais autoritárias, até mesmo nas ditas democracias ocidentais (sobretudo América do Norte e Europa Ocidental). A "Fortaleza Europa" está sendo construída, por etapas, como se ela corresse o risco de ser 'invadida' por 'hordas de pobres' provenientes dos países do Sul e do Leste.
Este Mundo, crescentemente violento, está sujeito a ser destruído por causa da impossibilidade de superaçao do capitalismo, seja por que meio for. Daí que seja necessário construir ou reconstruir sem descanso as relações não-capitalistas a todos os níveis. Subtrair à gula capitalista tudo o que lhe pode ser subtraído, desde as compras do dia a dia, até à educação das crianças. Mas como? Existem várias vias para se construir cooperativas e associações e para as fazer funcionar de modo igualitário autêntico.
Existe um enorme trabalho para fazer que nos espera aqui mesmo, à porta de casa. Podemos preencher um papel muito positivo na nossa comunidade, no nosso emprego, na nossa família, se assumirmos a responsabilidade de trabalhar de forma não-competitiva, antes com amor e com partilha. O heroísmo nas barricadas pode ter sido uma expressão de altruísmo da era romântica; agora, é apenas o devaneio confrangedor de bem nutridos filhos do mundo rico.
É, pelo contrário, necessário adoptar um comportamento simultaneamente pragmático e com princípios, algo que se poderia expressar como:
- Estar neste mundo, mas sem lhe pertencer, ou seja: estar dentro da sociedade capitalista mas sem termos a mentalidade capitalista, tentarmos ser coerentes e não 'reverenciar' os 'não-valores' que esta sociedade segrega.
- Ser tão 'reformista' quanto necessário e tão 'revolucionário' quanto possível, ou seja: há muitas coisas concretas que podemos fazer aqui e agora, mesmo se não são acções 'revolucionárias'. Elas são susceptíveis de dar-nos confiança na nossa força e experiência para os tempos em que a revolução tiver chegado e tivermos de gerir nós mesmos todas as coisas.

Só então terá o sonho de "liberdade-igualdade-solidariedade" oportunidade de se tornar realidade.


3) Com efeito, muitas pessoas de círculos anarquistas ficam satisfeitas consigo próprias realizando tais actividades supostamente "revolucionárias", significando com isso exibicionismo de dissidência em relação à sociedade capitalista e uma ameaça simbólica a instituições como FMI, G8, OMC. No entanto, essas actividades não são nada revolucionárias se usarmos "a mudança" como critério: isto muda alguma coisa irreversivelmente e na via de uma maior justiça social? O mesmo se poderá dizer se usarmos o critério "acção directa": estas manifestações atacam os símbolos da riqueza, dos interesses das grandes corporações económicas, mas - na medida em que se trata de símbolos - não é acção directa nenhuma. Acção directa significa que se aborda os nossos problemas (em geral, colectivos) e se tenta encontrar soluções sem usar poderes ou instâncias intermediários, quando não se remete a solução para uma "terceira parte" (como o Estado ou agências estatais) supostamente "neutral". Esta abordagem pode ser, e é de facto na maior parte das vezes, conflitual, mas a coisa importante é que os trabalhadores reunidos em assembleia são e permanecem a última instância de decisão.

Deveríamos privilegiar um modo flexível de organização, aproveitando as realidades locais, não confinados a estritas afinidades ideológicas, propiciando que pessoas de várias correntes anti-autoritárias se encontrem, troquem pontos de vista, trabalhem juntas sempre que seja possível e desejável, que se mantenham em contacto umas com as outras. Deveríamos sair do gueto onde nos colocámos a nós próprios. Estes pequenos círculos de pessoas partilhando basicamente a mesma identidade cultural até ao pormenor da moda... como se isso fosse a coisa mais importante, como se usar uma determinada convenção ou código no vestir ou no comer fizesse qualquer diferença no que toca à transformação profunda do indivíduo. Isto, de facto, não tem nada que ver com o comprometimento nas lutas sociais, é apenas anarquismo 'de estilo de vida', adoptado por pessoas que não se dão ao trabalho de ir às raízes da nossa teoria de transformação social.
Igualmente, existe uma atitude incorrecta no que toca a "organizações de massas" e em relação a pessoas sob influência do pensamento e práticas autoritárias. É bastante comum, em tais casos, cairmos na armadilha de uma forma especial de elitismo e de mitos de vanguarda, tanto mais perigosa quanto perversa, fazendo-se passar pelo oposto.
Não que devamos cooperar dentro das organizações de massas com os autoritários; isto seria a melhor forma de sermos manipulados e derrotados. Mas, pelo contrário, combatê-los dentro de tais organizações. Mostrando a todos os associados do sindicato que a auto-perpetuação na direcção e na burocracia é um claro abuso de poder. Que estes se mantêm apenas para assegurar que as lutas não sairão fora dos eixos, que os patrões os vêem com bons olhos porque reconhecem isto mesmo, etc. Não se deve temer discutir com militantes das suas fileiras, com argumentos, não com slogans rígidos, nem palavras condescendentes ou agressivas: tal como imaginamos uma conversa entre irmãos e irmãs com diferentes pontos de vista sobre muitos aspectos importantes, no entanto, conservando amor recíproco. Posso dizer pela minha própria experiência, que isso é irresistível e que tem efeitos duradouros na mentalidade da outra pessoa.
E, ao fim e ao cabo, que é que nós havemos de recear, mostrando abertura de espírito, tolerância, modéstia? Não será esta a disposição mental de alguém realmente comprometido com a nossa visão da sociedade?
A primeira coisa a fazer é levar a cabo a nossa auto-educação para termos tantas capacidades e autonomia quanto possível, num certo espaço e tempo. Não devemos excluir a possibilidade de nos organizarmos em cooperativas apenas porque isso seja impossível ou quase, nalguns lugares. Tal pode ser o caso hoje, mas amanhã podera ser totalmente diferente. As pessoas que, erradamente, desprezam estes métodos de auto-organização poderão dizer que eles nunca irão mudar a relação de poder nas nossas sociedades, que nunca porão em causa a dominação capitalista, e, caso isso viesse a acontecer, seriam destruídas num ápice. Isto é uma forma de evitar olhar para as coisas tal como elas são, de adiar o trabalho que é possível fazer-se hoje, em nome de uma nebulosa era de insurreições, a qual ninguém sabe quando virá, se é que jamais venha a acontecer.
A verdade é que, apenas experimentando e participando na luta de classes, o trabalhador toma consciência da forma como esta sociedade está organizada. Analogamente, a capacidade de funcionar dentro de um colectivo não-hierárquico, de estabelecer relacionamento de igual para igual, sem leaders, também se aprende com a prática. Muitos anarquistas gastam as suas energias confrontando-se entre si por motivos fúteis; melhor fariam se reorientassem esse espírito de luta para combater o autoritarismo e os autoritários, estejam eles onde estiverem. Não se deve mostrar qualquer medo, qualquer respeito, deve-se desmascará-los em frente dos trabalhadores, do povo. Com efeito, a aparência de legitimidade que eles conservam aos olhos de muitas pessoas pode ser um factor importante no bloqueamento de uma saída revolucionária.
Dito isto, é importante não pôr no mesmo saco os chefes e os burocratas dos partidos e sindicatos autoritários, e os respectivos militantes de base. Se construirmos cooperativas, sindicatos, ou colectivos com uma finalidade específica, importa nao apenas que sejam estruturas não-hierárquicas e autónomas, mas tambem não sectárias, caso contrário, serão como as 'organizações de massas' que servem de fachada aos autoritários.
Não estou a referir-me, acima, às organizações específicas. Os libertários devem fazer a sua propaganda e educação com independência total, será portanto muito natural a existência de organizações específicas. O problema surge quando nós nos pomos a misturar este seu papel com o das organizações de massas.
Nós, anarquistas, deveríamos ter um modo diferente de nos relacionarmos uns com os outros e com qualquer ser humano. Nós somos a favor da cooperação e rejeitamos a competição. Somos pelo acordo livre e mútuo no processo de tomada de decisões. Negamos legitimidade de um grupo em forçar um indivíduo a realizar qualquer coisa contra a sua consciência. Queremos pôr em prática a igualdade de direitos, algo que naturalmente favorece a liberdade de escolha individual. Porque somos livres, aceitamos as responsabilidades e sermos permanentemente responsáveis perante o colectivo. Se tal comportamento for assumido, não só em teoria, mas também na prática, que grande potencial para a transformação social possuiremos nos, individual e colectivamente!

4) Para nós, a tarefa mais urgente e necessária é a Revolução Social. Isto significa a destruição dos fundamentos da sociedade de classes e a emergência de um modo de organização não-hierárquico, auto-gestionário, em todos os aspectos da vida social. Não se trata portanto de algo que possa ser concluído num curto período de tempo.
Temos portanto de ser capazes de conceber as estratégias mais apropriadas para realizar estas tarefas. Não nos podemos contentar com ficarmos sentados, construindo teorias muito bonitas sem aplicabilidade de qualquer espécie. Devemos ter a capacidade para reavaliar permanentemente os nossos conceitos, estratégias e tácticas. Não menos importante, devemos ser capazes de persuadir a vasta maioria, de que este é o caminho para a felicidade, para a verdadeira justiça social, para um futuro decente para toda a Humanidade. Não conseguiremos alcançar nenhum destes objectivos se nos confinarmos a estreitos círculos, incapazes de comunicar com a maioria não-anarquista. Tão pouco, se não formos capazes de fazer uma experiência real, mesmo que limitada no seu âmbito e área, dos modos de levar a prática os nossos conceitos sobre autogestão e organização.
Eu defendo, portanto, que construamos e façamos reviver todo o tipo de 'instituições' nossas, 'instituições' no sentido de estruturas organizacionais permanentes que respondam e tentem fornecer alternativas, a todo o tipo de problemas a que temos de fazer face na sociedade de hoje. Ser audacioso nos conceitos teóricos não dispensa, antes impõe, a sua contrapartida de experimentar novos e frescos processos de alagarmento da base de adesão esclarecida aos nossos ideais.
Podemos ver na História do Anarquismo a tentativa de realizar isso. Nós sabemos que muitas instituições de hoje (cooperativas, sindicatos, centros culturais, etc.) e muitos aspectos das nossas sociedades foram 'inventados' e desenvolvidos pelos anarquistas, pelos socialistas libertários, anti-autoritários. Esquecemos frequentemente que nos países ocidentais, durante a maior parte ou todo o século XIX, não existiam direito de associação, liberdade para a nossa imprensa, segurança social, nem sequer igualdade formal entre homens e mulheres, etc. Claro que estes exemplos históricos são aqui evocados apenas no sentido de pôr em evidência a necessidade de inventarmos as nossas instituições contemporâneas.
Podemos e devemos recolher lições do passado, porém temos de estar conscientes de que a melhor maneira de nos organizarmos na actualidade, da forma mais eficaz e significativa, deverá emergir do interior da sociedade tal como ela é hoje, não como foi há séculos, ou mesmo há décadas atrás.
Manuel Baptista
http://www.ainfos.ca/02/apr/ainfos00507.html

Yes - Open Your Eyes

Seis anos depois: Voltará Bin Laden a ajudar Bush a recuperar a sua popularidade perdida?

Por ocasião do discurso do Estado da União de George W. Bush do passado dia 23 de Janeiro, muitos meios de comunicação recordaram que, salvo dois presidentes dos EUA, Harry Truman, durante a Guerra da Coreia, e Richard Nixon, em pleno escândalo do Watergate, nenhum tinha antes chegado a cair 28% no seu nível de popularidade como ele nestes dias. Alguns cronistas cometeram, no entanto, o erro de valorizar a queda de Bush filho, em mais de 60 pontos em seis anos, tomando como referência de partida o momento em que assumiu o poder a 20 de Janeiro de 2001 e pronunciou o seu primeiro discurso sobre o Estado da União, comparando o com o que realizou há dias atrás, em 2007. E aí está o erro nessa tentativa de paralelismo. É verdade que Bush atingiu 90% de popularidade em 2001, mas não os tinha ainda ao assumir o poder, obteve os somente após o 11-S, depois de anunciar a sua cruzada antiterrorista planetária e indefinida no tempo.

Todos reconhecem que nos EUA, e em boa parte do mundo, em grande medida há um antes e um depois do 11 S e isto chega a tal ponto que muitas vezes se esquece como era Bush filho antes dessa data e como chegou à Presidência do país mais poderoso do planeta; que imagem tinham dele boa parte dos seus cidadãos e os próprios líderes dos principais países aliados dos EUA antes daquele fatídico 11-S. Um dia que, paradoxalmente, apesar de ter sido um golpe tão terrível para a sociedade norte-americana, representou ao mesmo tempo uma oportunidade de ouro para esse aspirante a César do século XXI.

George W. Bush foi dado como vencedor das eleições presidenciais de Dezembro de 2000, apesar de o seu adversário, o candidato democrata Al Gore, ter obtido mais 300.000 votos populares, graças a ter beneficiado do polémico e ainda vigente sistema eleitoral norte-americano, e à controversa e prolongadíssima recontagem de votos que revelou perante a opinião pública mundial um sistema arcaico, digno de uma república das bananas, a que se somaram as ensaboadelas pouco claras das autoridades e tribunais da Flórida, onde – oh casualidade! – Jeb Bush era, e é, governador. Após cinco semanas de incerteza, o Tribunal Supremo deu a vitória ao actual presidente, sem convencer um sector muito amplo da população sobre a sua legitimidade. “Parem o ladrão!” gritavam muitas das 20.000 pessoas que se manifestaram em Washington, a 20 de Janeiro desse ano, enquanto Bush jurava como presidente número 43º dos EUA sobre a mesma Bíblia escolhida por George Washington em 1789.

Esse antecedente de irregularidade eleitoral fez com que nas eleições seguintes, as de finais de 2004, pela primeira vez na história dos EUA, congressistas democratas solicitassem a presença de observadores independentes supervisionados pelas Nações Unidas para evitar que se repetisse uma situação similar. Face a isso, o Partido Republicano aprovou um projecto de lei pelo qual se proibiu expressamente ao Governo proporcionar fundos à ONU para pagar o trabalho dos observadores. Finalmente, o subsecretário de Estado, Paul Kelly, procurou uma postura mediadora, e a 9 de Agosto enviou uma carta aos 13 congressistas democratas notificando os que o Departamento de Estado tinha convidado para as eleições do dia 2 de Novembro (de 2004) um grupo de observadores da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), da qual os EUA são membros.

Durante os primeiros meses do primeiro mandato de Bush filho, quando o mundo ainda estava bem longe de imaginar que nos EUA se pudesse produzir algo como um 11-S, as anedotas sobre a sua incultura geral e sobre o desconhecimento sobre política externa que manifestava deram lugar a numerosos artigos nos meios de comunicação. Compilações das suas gafes mais sonantes foram publicadas em vários livros. O comentarista do New York Times Bob Herbert fazia a seguinte comparação entre Bush e Clinton: «O presidente (Bush), para dizê lo da forma mais suave possível, não parece demasiado comprometido com o difícil trabalho de ser presidente». E acrescentava: «Quando Clinton tinha algum tipo de problema, sempre podia apoiar se na sua inteligência, no seu instinto político e capacidade de trabalho, de comunicação». «Mas esses não são precisamente os pontos fortes do senhor Bush», concluía.

Os índices de popularidade de Bush filho não eram, evidentemente, de 90% quando assumiu o poder a 20 de Janeiro de 2001, nem o eram meses depois, nem até um dia antes do 11-S. Em concreto, a 10 de Setembro de 2001, George W. Bush registava 51% de índice de popularidade, e foi precisamente com os atentados cometidos no dia seguinte pela Al Qaeda, a organização paradoxalmente criada por Osama bin Laden, aliado da CIA no Afeganistão nos anos 80 contra as tropas soviéticas, que conseguiu que a sua popularidade disparasse para 90%.

Esse foi um dos níveis mais altos jamais atingidos por um presidente estadunidense. John F. Kennedy obteve 83% de índice de popularidade em 1961, também paradoxalmente, depois de fracassar de forma estrepitosa na sua tentativa de invadir Cuba. Apesar de a invasão da Baía dos Porcos ter sido feita com cerca de 2.000 mercenários (boa parte deles pertencentes às tropas do tirano Fulgencio Batista, derrotado dois anos antes pela Revolução), armados e financiados pelos EUA, apoiados por barcos e aviões, foram derrotados pelas forças revolucionárias cubanas em apenas 72 horas.

A 20 de Janeiro de 2002, um ano depois de chegar ao poder, o milagre continuava. George W. Bush contava com 83% de popularidade. Só Harry Truman tinha conseguido um índice semelhante após 12 meses no poder.

Bin Laden, considerado um “lutador pela liberdade” duas décadas antes por Ronald Reagan, transformava se duas décadas depois num boomerang contra os EUA, passava a ser supostamente o seu pior inimigo, mas ao mesmo tempo no “balão de oxigénio” para Bush. Foi a partir do 11-S que Bush atingiu pela primeira vez esses 90% de popularidade, que lhe vão permitir, a galope do espírito patriótico e da frente unida nacional contra o inimigo comum, levar por diante uma série de medidas na ordem interna impensáveis sem essa ajuda que Bin Laden de novo prestava a um presidente republicano.

Assim, não somente Bush não encontraria uma só fissura no interior do seu próprio partido, como também não encontraria oposição no Congresso da parte do opositor Partido Democrata para levar avante os seus mastodônticos orçamentos militares, as suas repressivas leis antiterroristas, como a Patriot Act, que de disposições temporárias acabaram transformando se em leis permanentes, retalhando drasticamente as leis democráticas mais elementares dos cidadãos. A elas seguir-se-iam também a luz verde dada pelos democratas a Bush para a guerra no Iraque; a não oposição a esse campo de concentração do século XXI que é a base de Guantánamo; aos sequestros e traslados de numerosos prisioneiros para centros de tortura nos sinistros voos na frota da CIA; e a um larguíssimo etc.

A nível externo, o acentuado unilateralismo que caracterizou o primeiro mandato de Bush desde o próprio momento em que assumiu o poder, quase oito meses antes do 11-S, tinha provocado o alarme e as críticas dos principais líderes de países europeus tradicionalmente aliados dos Estados Unidos. Nos últimos dias do seu mandato, Bill Clinton quis dar um toque multilateralista ao seu Governo, que na realidade nunca teve tais características e eludiu assinar os tratados mais comprometidos tanto de defesa do meio ambiente, como da infância, ou da justiça universal, e nem sequer saldou as enormes dívidas dos EUA com a ONU. Mas nos últimos dias, Clinton deixou mais que uma batata quente ao seu sucessor. Foi assim que se mostrou partidário de que se ratificasse o Protocolo de Roma com base no qual avançaria o Tribunal Penal Internacional (TPI, para julgar genocídios, crimes de guerra e contra a humanidade); decidiu proteger 60 milhões de acres de bosques nacionais, irritando a grande indústria madeireira nacional; mostrou-se partidário de assinar o Protocolo de Quioto, e outra série de medidas que provocariam a ira de Bush. Este faria exactamente o contrário desde o primeiro momento. Não só recusou terminantemente a ratificação do TPI, como se transformou num feroz inimigo dele, e John Bolton (posteriormente seu embaixador perante a ONU) criou a fórmula perfeita para sabotá lo e evitar que qualquer dos cerca de 200.000 soldados, agentes da CIA ou mercenários ao seu serviço a trabalhar no estrangeiro, pudessem ser em algum momento levados perante o banco dos acusados do TPI por ter cometido algum dos delitos da competência desse tribunal.

Para isso criou os BIA, os acordos bilaterais dos EUA com dezenas de governos que fazem parte do TPI, chantageando os para que em caso algum denunciassem as suas tropas ou agentes assentados nesses países, ainda que cometessem esse tipo de delitos. Aqueles países que aceitaram assinar tais acordos conseguiram em troca um tratamento privilegiado nas relações com os EUA. Os que se negaram a assiná-lo perderam no entanto acordos de cooperação comercial e/ou de ajuda militar e, paradoxalmente, inclusive de ajuda na luta contra o terrorismo.

Mas todo este tipo de medidas adoptadas nos primeiros de governo de Bush, com anulações de importantes acordos de segurança internacionais, ou tratados comerciais que provocaram sérias fricções com países aliados, diluíram se com o 11-S. A invocação da luta do “Bem” contra o “Mal” feita por Bush logrou o seu efeito, a NATO fez frente comum, o aspirante a César sentiu que estava bem mais perto do seu objectivo. Depois, os seus aliados secundaram no no Afeganistão, alguns também no Iraque, e os que o não fizeram limitaram se a criticá-lo somente antes de se iniciar a guerra, mas depois calaram a sua voz.

Paradoxalmente, quando a própria ONU reconhece agora, em 2007, que anualmente morrem 35.000 civis no Iraque, quando o país já está totalmente fora de controle, e ninguém sabe como fechar a caixa de Pandora aberta pelos EUA, não se ouvem já críticas de países como a França, a Alemanha ou a Rússia, que no início de 2003, com razão, alertavam sobre os perigos e a ilegalidade de uma intervenção no Iraque. Agora não dizem nada. Os iraquianos estão abandonados à sua sorte.

Estes países parecem agora preocupados em observar os próximos passos dos EUA relativamente ao Irão, só para saber quanto podem afectar os seus próprios interesses energéticos, as suas próprias empresas e as sua própria segurança.

Pode-se confiar que o facto de que as duas Câmaras nos EUA estejam agora nas mãos do Partido Democrata fará mudar realmente as coisas de forma radical, para lá desta ou daquela medida adoptada pontualmente por este partido com claro propósito eleitoral? Parece fácil criticar agora Bush pelos erros cometidos no Iraque, golpear a árvore caída, quando está com 28% de popularidade, mas o facto de, durante os últimos seis anos, os democratas terem sido cúmplices de uma política tão nefasta para o mundo, não se pode esquecer ao ouvir o seu discurso e as suas promessas.

Também não se pode esquecer o que foi o último mandato democrata, o de Bill Clinton, em termos de política externa. Foi ele precisamente quem cedeu à chantagem, às acções provocadoras da gusanera Irmãos ao Resgate e do lobby de Miami no Congresso norte-americano, e quem acabou por assinar em 1996 a cruel Lei para a Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana, conhecida como Lei Helms-Burton, contra Cuba. Dita lei, por outro lado, foi elaborada não só pelo senador republicano de extrema-direita Jesse Helms, da Carolina do Norte, como também pelo senador do Partido Democrata pelo Illinois Dan Burton. Apesar de outra lei anterior contra Cuba, a Lei pela Democracia em Cuba, mais conhecida como Lei Torricelli, ter sido promulgada durante o Governo de Bush pai em 1992, em plena campanha eleitoral, Bill Clinton, depois de votar a favor dela, declarou: «É um dia importante na causa da democracia em Cuba». E não é caso para menos do que estar orgulhoso. O projecto de lei não tinha sequer sido apresentado neste caso por senadores dos dois partidos, como depois aconteceria com a Helms-Burton, mas nada menos do que por dois senadores do Partido Democrata, Robert Torricelli, de New Jersey, e Bob Graham, da Flórida.

Foi também durante o mandato de Bill Clinton, em 1994, que se puseram em marcha as Cimeiras das Américas e o lançamento da ALCA, como forma de renovar em finais do século XX os laços de dependência da América Latina com o Império.

O que foi a intervenção dos EUA na Somália em 1993 sob o Governo de Clinton senão uma mostra do que nunca se pode fazer, ir a uma missão humanitária entrando em combate abertamente a favor de uma das partes, sair derrotado militarmente (como mostrou o filme Black Hawk Down), e abandonar o país precipitadamente deixando o entregue à sua sorte, afundado no caos mais absoluto?

Estas e outras aventuras de Clinton no exterior, convenientemente revestidas de intervenções humanitárias, parecem hoje em dia pequenezes comparadas com o terrorismo de Estado planetário que o Império vem levando a cabo desde 2001, sob a era Bush, mas nem por isso podem ser passadas por alto.

Um genocídio não pode deixar de fazer com que um simples assassinato ou a cumplicidade com ele também seja condenável.

Roberto Montoya
http://www.infoalternativa.org/usa/usa145.htm

Huh? Não se importam de repetir?

Este pessoal do NÃO é completamente alucinado. A primeira vez que li as opinações do blog AssimNão mais uma vez pensei estar a ler o equivalente nacional do meu jornal satírico favorito, «The Onion», de tal forma os artigos confirmavam a máxima do mesmo!

Esta teoria da conspiração, que acusa o SIM de ... ter perdido o referendo de 1998 de propósito para manipular a opinião pública (!?) é tão cretina que a transcrevo sem mais adjectivações!

«Foi, uma jogada de mestre, dos defensores do sim terem conseguido que o ministério público a começasse a levantar processos-crime depois do Não ter saído vencedor do referendo de 98. Com todo o circo que isso criou de escutas telefónicas, detenções em directo, julgamentos cheios, servindo o intuito claro de chocar a opinião pública que, evidentemente, ficou chocada por se criminalizar um costume que até então ninguém ousara criminalizar.»
Anreia Neves, Portal «Assim não»

Quiçá fosse boa ideia a devota autora ler a contribuição de José Miguel Júdice para o blog SIM no referendo, nomeadamente a parte em que o ex-Bastonário da Ordem dos Advogados diz «não entendo que se defenda a manutenção de um tipo legal de crime e se não aceite que quem infrinja tal comando etico-juridico seja punido. Sempre fui contra a anomia que destrói as estruturas sociais. As sociedades podem mudar as leis, mas devem sempre aplicá-las enquanto estejam em vigor. Defender que se vote 'não' e que se não puna quem pratica abortos é, na minha opinião, contra o Estado de Direito.»

Mas a estrela da cretinice é a opinação seguinte, da autoria de Inês Teotónio Pereira, que debita pérolas como:

«Há uma Vida com dez semanas - que faz caretas, tem dentes de leite, impressões digitais e um coração a bater».

Com argumentos deste calibre não há discussão racional possível com os apóstolos do NÃO!

Palmira F. da Silva
http://www.ateismo.net/diario/

A Skeptical Look at Christianity

Fantasmas do passado visitam arrependidos da esquerda

Primeiro Acto
Segundo Acto
Terceiro Acto
PRIMEIRO ACTO, Cena 1 Os cemitérios do mundo estão cheios de fantasmas reunidos e a discutirem; fantasmas envolvidos em lençóis vermelhos, fantasmas em negro e vermelho; alguns com feridas abertas, outros sem pernas, alguns decapitados e cegos. Alguns vieram de lugares esquecidos, outros saíram de baixo de lápides monumentais. Alguns falam alto e claro, outros praguejam sem fôlego – mas todos eles estão cheios de uma irada indignação. Desde o mais próximo até o mais distante, todos declaram: Todos: Vingança! Daqueles que traíram a nossa confiança, o nosso combate, o nosso sacrifício, mesmo quando ousam enaltecer ou falar em nosso nome e da nossa morte. Lançamos uma maldição a todos os da vossa espécie, Visita-los-emos e ouvirão nossas vozes ampliadas por milhões e em muitas linguagens será transportada a nossa mensagem: Traidores, não pisem nossas sepulturas Para que não percam vossos tesouros E ainda mais a vossa aliança ímpia com todos aqueles cujo poder tiraniza o nosso povo E escarnece do nosso sacrifício. Assim falava a assembleia dos fantasmas do passado Dirigindo-se aos senhores do presente, antigos camaradas que tomaram os bastões dos seus antigos inimigos. Eles viajaram muito e por toda a parte para a América Central e do Sul, para o Médio Oriente, Ásia, Europa e América do Norte. Nem cor nem género são esquecidos, ou perdoados. Todos aqueles que desertam da sua classe devem ser visitados… ACTO 1, Cena 2 (Meio dia em Manágua no Palácio Presidencial, os fantasmas do passado fitam o Presidente ex-guerrilheiro). Fantasma: Sabeis o que vos custou tornar-se Presidente? Presidente: O que é isso para vós, que estais mortos, no passado, esquecido? Os tempos mudaram. O tempo move-se em frente… Fantasma: Basta de clichés – a campanha eleitoral acabou. Quero uma responsabilização. Lembrar-vos-ei todos os dias de todas as maneiras. Presidente: Não mantenho livros de registo …Talvez os milhões dos banqueiros, empresários toda essa gente retrógrada tem de ser 'progressista' para financiar-me. Fantasma: (risada prolongada e alta, seguida por um olhar frio e severo) Já é tudo conhecido, os vossos novos aliados: o Arcebispo, que abençoou os mercenários, os banqueiros, que lhes compraram as armas, os que assassinaram nossas professoras, os empresários, que fecharam as fábricas e levaram o dinheiro para a Florida. Estou a falar dos vossos antigos camaradas, que combateram e morreram, cujo sangue e coragem libertaram o país da tirania: cinquenta mil dos melhores e mais dignos, sob a terra, a alimentar os vermes… Presidente: Nós tentámos o caminho revolucionário. Não funcionou. Os tempos mudaram, temos de tentar um novo caminho. Tivemos êxito, a prova é que hoje sou Presidente! Fantasma: Vós, no palácio do tirano, com vossos comandantes milionários e parceiros no crime amantes incestuosos, todos criminosos e trapaceiros! Quem se encolhe e rasteja Diante do imperador nós ousamos desafiar. Presidente: (a gritar) Ousais repetir as mentiras ultrajantes, aqueles obscenas estórias de amor proibido a mim, o Presidente eleito? Sois um miserável fantasma! (Retira um revolver da gaveta e dispara em torno, no ar vazio) Fantasma: Não nos importamos com os vossos gestos vazios, Com a vossa fingida indignação. Enfrentai a realidade: Não podeis matar o passado, ele vive nas ruas e nas barracas, os heróis que tropegam sobre próteses, os combatentes que vendem bugigangas na rua, os mais arrojados a fugirem para outras terras, e outros ainda a iniciarem-se no tráfico de drogas e no contrabando, a guardar as mansões dos antigos inimigos – latifundiários, banqueiros, a escória do velho. Presidente: Fantasma, guerrilha, camarada ou inimigo. Deveis saber que esta catástrofe não foi escolhida por mim. Foi o Império que nos deixou assim. Fantasma: Nada de discurso duplo, Señor Presidente. Pois enquanto falais aqui do imperador criminoso, lá fora ajoelhai-vos diante dele: Austeridade para os pobres e incentivos para os ricos. Vós abris a porta e com uma profunda vénia, com a vossa testa a tocar o chão, Dizeis, 'Benvindos saqueadores, pilhem à vossa vontade”… e deixai-me corromper os que o aceitam e reprimir os pobres'. Presidente: (levanta-se e caminha em direcção à porta) Não tenho má consciência. Nunca lamento o combate e o esquecimento: Fiz novos amigos e abandonei os velhos. Por isso sou agora El Presidente! Fantasma: Deixar-vos-ei por hoje. Mas voltarei todos os dias. Quando falardes, Ligarei vossa língua. Quando passeardes, Estorvarei vosso caminho. Quando abraçardes o Arcebispo, Erguerei um feto sangrento à vossa vista, Produto da vossa odiosa legislação. Vós dominareis a partir do palácio, mas as ruas permanecerão nosso domínio. ACTO 1, Cena 3 (Gabinetes do Senado de um Estado Sul Americano) Um fantasma paira sobre um senador a conversar com um general Senador: O melhor é esquecer o passado, ambos acreditámos sinceramente Nas nossas causas, nossas guerrilhas combateram e perderam, mas agora somos aliados na democracia. General: Estou ansioso pela vossa colaboração em nome de Deus, da Família e da Nação. Podeis começar por golpear nosso inimigo comum – aqueles que estimulariam o rancor do passado, trazendo à luz contos de morte na tortura. Passado distante… e mais vale esquecido. Senador: Falei certa vez e tornarei a falar. esquecer o passado, a vingança não fala à justiça e sim ao caso, famílias vingativas não percebem que não podemos levantar os mortos. Fantasma: Nós nos levantámos, Senador da Perversão. Meu antigo Comandante que me enviou ao combate numa missão sem esperança, capturado, passei dias e noites nas torturas, para salvar vossa pele… Senador: (agressivamente farisaico) Era correcto enviá-lo então ao combate e para mim hoje é correcto estar com o vosso antigo torturador – um general essencial à nossa defesa. General: (perplexo com o aparente monólogo do senador) Senador, tenho de ir. Continuaremos a conversar em outra ocasião. (Ruminando consigo próprio: "Deve ser um hábito devido à sua longa permanência na solitária" Ri enquanto caminha para fora). Fantasma: Estais bem de vida agora, Senador. Foi uma longa e árdua escalada. Sobre os cadáveres de tantos camaradas, de tantos suicidas nossos, exilados, mentalmente perturbados. A tragédia são aqueles militantes que construíram os movimentos, Alguns dos quais recebem migalhas da vossa munificência como senador. A maior parte, contudo, preocupa-se com a refeição de amanhã, luta com uma pensão de subsistência, enquanto vossos novos colegas ricos bebem champanhe ao invés do mate, a celebrar o poder mais do que a solidariedade. Senador: Não preciso das vossas lições. Cumpri o meu tempo. (Começa a andar para a frente e para trás, seis passos em cada direcção, a dimensão da sua antiga cela de prisão) Dez anos na prisão, nove na solitária, seis no subterrâneo, sem luz. Nunca falei. Fantasma. É verdade. Mas agora estais a recuperar o tempo perdido. Vossas frequentes conferências de imprensa A favor de bases imperiais, dos investimentos e da contaminação torna uma farsa o nome do vosso partido – Libertação Nacional. Seria melhor chamá-lo "Difamação Nacional". Viveis fora do nosso passado. Urinais sobre nossas sepulturas e chamais a isto 'água sagrada'. Sagrado hipócrita. Senador: Honramos a vossa memória a cada ano. Celebramos nossas raízes, comemoramos nosso movimento, nossos militantes caídos. Fantasma: Sim, recordo o dia e o momento: entre render-se para ser arruinado pelo cônsul militar imperial, e fazer farras com os banqueiros. Vergonha! Olha para ti próprio! Arrogante No Senado. Ajoelhai-vos diante dos poderosos Ides às gargantas dos pobres. Olhai no espelho! Um traidor É um traidor Com e sem uma maquilhagem. Acto 1, Cena 4 Fantasma: Onde conseguisteis o desenho para este Muro? Em Varsóvia? A vossa memória do gueto Permite-vos recriar uma outra… Como curador, promotor da Indústria da Memória do Holocausto. Vossos testemunhos Servem de fundamento A um gueto vivo. Aprisionais um milhão de palestinos. Extraís mil milhões dos irmãos Próximos e distantes. Joshua: (olha para cima) Sou um sobrevivente… Fantasma: De pouco valor… vossa Tia Lina morreu num campo, enquanto vós, um bebé nascido em Istambul, invocais sua memória e sois generosamente recompensados. Joshua: …quem educa o mundo sobre o maior crime da história, contra um povo que sofreu de modo único… Fantasma: Sim, todos eles são povos sofredores. Os Oligarcas Russos, os esquadrões da morte israelenses, e os sujos advogados exploradores dos infortúnios passados do nosso povo… Joshua: Partilhamos um passado comum. Dois mil anos de anti-semitismo pelos assassinos Gentios que assolam nossos sonhos e ainda o fariam, se tivessem uma oportunidade. Fantasma: Os milhões correm para os vossos potes de ouro da riqueza dos irmãos, daqueles que são os mais ricos entre os ricos, um poder entre os poderosos na terra dos Gentios. Não falais a um tolo Conhecemos a vossa espécie e os da vossa laia: Trapaceiros e embusteiros, nós vos chamávamos de 'kapos' No gueto de Varsóvia. Joshua: Cheirais a anti-semita, a falar não em hebreu e sim numa linguagem estrangeira… Fantasma: Yiddish. Bundist Socialist e combatente – é o que sou. Repetimos em nossas tumbas, O conhecimento dos vossos crimes: Tudo o que sofremos dos nossos inimigos Praticais nesta terra roubada. Após Deir Yassin, veio Sabra e Shatila e Jenin tornámo-nos uma brigada fantasma Após o Muro, o Líbano e aquela prisão sem tecto, Gaza. Reunimo-nos numa grande assembleia E votámos por renergar-vos, Nossos descendentes – Desprezamos vossas crenças, afirmações de charlatães serem uma Raça Superior Gerada pela desgraça ariana. Joshua: Judeu que se odeia a si próprio!! Que não respeita nada do que nos é sagrado Nossa Memória, nosso Tesouro Nosso holocausto! Clamais de batalhas do passado Foram perdidas! Portanto não ousai desafiar Nosso Estado militar O qual nunca Perdeu batalhas Para nossos intimidados inimigos. Fantasma: Do coração partilhamos Com a resistência À vossa opressão Ao vosso muro. Resistência fracamente armada Frente à vossa máquina militar Evoca memórias penosas dos nossos combates de rua nos dias de Varsóvia. Partilhamos a coragem Da Intifada (tal como com o nosso próprio levantamento) que nega o vosso etnocídio, homicídio e afirma sua humanidade. Joshua: Não sois um Judeu real E o anti-semitismo é o vosso desporto. Fantasma: Canalha e porco, Não invoqueis nosso nome em vão. Virá o tempo em que pela mesquinhez caireis. Retornados clamarão seus lares, sua terra, suas oliveiras. Estareis prontos a partilhar e Cultivar a terra? Ganhar vosso sustento com o suor da vossa testa? Ou passeareis de volta para a terra dos gentios E alegareis ser um 'refugiado' da Terra Prometida? Acto 1, cena 5 (Um festim de multimilionários, presidentes-executivos, altos responsáveis do Partido num jantar mandarim de 30 pratos) Fantasma: Tal como um banquete dos ricos e poderosos. Muito diferente dos velhos dias nas cafeterias das comunas e das fábricas com sopa, arroz e um osso de galinha. Hu Dung Chi: (Presidente e Secretário Geral do Partido, Comandante em Chefe do Exército do Povo e pai de vários magnatas) Bastante alinhado com a Filosofia Marxista-Leninista-Dungista: 'O que é bom para a riqueza é bom para a China'! Fantasma: Deixai-me recordar-vos os ricos não estavam na Longa Marcha para o Yenan nos anos trinta – eles colaboraram com os japoneses e o Kuo Mi Tang. Nos anos cinquenta eles não combateram ou morreram nos campos gelados da Coreia do Norte. Eles não construíram barragens, estradas, indústrias, hospitais e escolas De que os vossos cobiçosos colegas (ainda se tratam uns aos outros por 'camarada'?) Se apossaram – desculpe-me – privatizaram – e exploram com parceiros imperiais. Hu Dung: (Muito calmo e indiferente) Se fosseis realmente um MARXISTA-LENINISTA saberíeis que igualdade e justiça social era uma etapa primitiva da construção do socialismo o que MARX chamava 'acumulação primitiva'. Hoje estamos no período avançado Dos seis princípios 'C': Concentração, Centralização, Consumo conspícuo, Corrupção e Concuspicência. O estado maduro conduzirá à Igualdade, Fraternidade e Liberdade. Fantasma: Há 700 milhões de camponeses que libertaram e defenderam a nação Que agora vivem sem pensões, clínicas públicas e escolas. Os mais velhos estão indigentes. Os pais não podem pagam taxas escolares aos seus filhos. Milhões morrem às portas de clínicas privadas ou vendem seu último porco para consultar um médico ou sua última galinha para ver uma enfermeira. Vosso estado maduro É pior do que esterco Cheira ao mesmo Mas não proporciona qualquer futuro Para os milhões de pobres. Os ricos prosperam Os camponeses Estão indigentes. O Partido celebra O crescimento da economia Só o povo sofre. Hu Dung: Difundís mentiras anti-estatais – Se não fosseis um espírito Passarieis tempo na prisão E eu não teria de ouvir Vossas fabricações fantasmáticas. Fantasma: Na nossa assembleia de mil milhões de fantasmas Que outrora combateram e perderam pernas e olhos – Mesmo nossos bebés terminaram suas vidas Ultimados nas facas dos japoneses Considero vossa riqueza obscena. Vossa pilhagem Da nossa riqueza é traição. Vossas justificações sem razão. Por agora nós fantasmas erguemo-nos como vossa oposição Porque os combatentes de hoje estão na prisão. Hu Dung: Não tenho tempo para discutir com inimigos invisíveis. Por que não procurais Mao, Ho ou algum outro fantasma Com quem partilhais vossos ideais e sonhos fora de moda? Para mim há resmas de contratos a serem assinados, Vários agitadores a remeter Para a prisão. Para mim A realidade material é a única 'verdade'. Fantasma: Como é fácil esquecer a centena de milhão De operários e camponeses desapropriados Para macaquear os novos multimilionários Do Oriente e do Ocidente: Vosso filho inclusive com vossa limousine com chauffeur, vosso império de torres de escritório, fábricas e bancos, para manter vossas concubinas em mansões palaciais e pagar educação estrangeira à vossa progenitura. Não há melhor prova de que a vossa família, forma uma nova classe de milionários de exploradores de exportadores e de rentistas. Põe um espelho diante do vosso clan, vossa família e todos aqueles que aceitam e seguem vosso comando. Traidores todos! Os pobres sussurram quando recordam a perda de dignidade e da terra em breve chegará o dia do vosso julgamento. Hu Dung: Os aromas das trinta finas iguarias chamam-me. O brilho da fortuna do multimilionário, o pote de ouro é a luz a seguir. Ouso olhar para trás só para gritar ao Exército para cobrir meu traseiro e massacrar a massa que ousa perturbar o banquete dos multimilionários. Fantasma: Acompanhar-vos-ei à mesa para recordar-vos de quem não está ali e provocar-vos indigestão. Hu Dung: Recordai-vos que eu era chamado um 'seguidor dos capitalistas' Nos dias da infâmia de Mao! Estou protegido na História por uma montanha de contos acerca dos horrores do passado. Não os leio Mas encomendo-os aos nossos escribas. Eles protegem da indigestão e da disfunção eréctil. Fantasma: Vosso exército de escrevinhadores, que redige vossos discursos em caractéres chineses e louvam vossas reformas em letras inglesas, não podem abolir a memória das centenas de milhões de operários e camponeses cujas fábricas e terras foram vendidas por uma bagatela a especuladores e investidores os quais pagam aos vossos quadros para bater os militantes, amedrontar seus simpatizantes e isolar o resto. Hu Dung: (a presidir o banquete) Um brinde ao melhor e mais brilhante: Longa vida ao Socialismo! Longa vida ao Capitalismo! Longa vida à Paz e Amizade entre as Classes Dominantes do Mundo! Fantasma: Tantos sacrifícios produzem tais gasosas expressões. Este é o molho quente, os signos de dólar que inspiram vossos discursos. Este é o vosso traseiro que fala quando a vossa boca sabe o melhor. Hu Dung: (Aborrecido pela intervenção do Fantasma) Ide-vos para uma fábrica! Isto não é lugar para velhos militantes. Militantes fora! (Grita) (Os multimilionários levantam suas cabeças em estado de choque: "Demasiada bebida", "Terá ele perdido a consciência?", "Será uma brincadeira para divertir os presidentes-executivos?", Oligarca: (A levantar o copo para brindar o partido) Aos militantes: Magnatas e multimilionários! A vanguarda da Nova China! Os líderes da nossa Super Potência!
SEGUNDO ACTO, Cena 1 (Negação) (Uma reunião de todos os antigos revolucionários que ocupam posições de poder na Nova Ordem Mundial) Hu Dung: Reunimo-nos porque todos nós temos sofrido visitas dos fantasmas do passado que se queixam e lamentam 'que temos esquecido as massas e criado novas classes de predadores e exploradores'. Embora as suas ameaças sejam imateriais ainda assim eles falam e deveríamos procurar uma resposta colectiva – não, não – um repúdio completo das calúnias sanguinárias que fabricam. Senador: Vamos admitir que fizemos erros No passado. Fracassámos no entendimento da mágica do mercado. Assim seguimos alguns descaminhos e agora que voltam para assombrar-nos. Vamos dizer que admitimos os erros do nosso passado, a afirmamos que agora descobrimos nosso caminho para a prosperidade. Joshua: O Caminho Escolhido Hu Dung: Não estou de acordo. Estávamos certos no passado e estamos certos hoje. A razão encontra-se nos tempos mudados nas diferentes etapas na lógica dialéctica. Estamos sempre no topo e a base está sobre a base como sempre será. Presidente: Se a dialéctica não é o vosso caldeirão de peixe, ainda há a cocaína e uma orgia a cada dia para manter os fantasmas afastados SEGUNDO ACTO, Cena 2 Hu Dung: Não devemos desprezar os velhos líderes e militantes que nos seus dias foram degraus para o nosso futuro glorioso. Presidente: Sim, vamos construir-lhes monumentos e mausoléus. Honrar o seu passado a fim de os transcender nos dias de hoje. Joshua: Vamos honrar nossos mártires e cobrar um bilhete de entrada para uma visita aos nossos Museus de Recordações. Senadores: Vamos mesmo cantar A Internacional enquanto arrecadamos os lucros da global integração. (Cantam junto um único verso da Internacional – e param por falta de memória. Alguns, enquanto continuam, cantam 'levantem-se as bolsas de valores do mundo' ao invés do 'levantem-se os famélicos da terra') SEGUNDO ACTO, Cena 3 Senador: Creio que tememos demasiado os fantasmas do passado, as vozes dos mortos. Afinal de contas somos todos homens honrados e nossas obras viverão muito depois de os fantasmas terem sido esquecidos. Deveríamos celebrar o mercado livre e eleições livres. Abram o champanhe! Tragam o caviar! Os carneiros no espeto… Hu Dung: Democracia e Prosperidade com caracteres chineses! Não se assustem, A Ásia é a Superpotência Emergente. Joshua: Vamos celebrar e aclamar, mas mantenham-me limpo de porco e camarão para manter meu corpo limpo e minha consciência livre. Presidente: Vamos tocar música e convidar nossas musas. Bilhetes de entrada só para milionários e banqueiros. Hu Dung: Só multimilionários para nós, somos agora uma Potência Mundial, a extrair riqueza e a matar mineiros. Mas quem se importa? É tudo parte da História E da nossa maturidade crescente. (Hu Dung começa a dancar com a Primeira Dama Multibilionária) (O Presidente acompanha uma amante do ex-Ditador). (O Senador anda pelo chão à procura da filha do General) (Joshua acena por uma 'oferta multimilionária' da Diáspora). Joshua: Temos de contar nossa estória. Nossa História refutará as mentiras fantasmáticas que nos cobrem com sangue e coágulos. Somos fundadores de um Estado de refugiados, colonizadores, invasores e mega-vigaristas que têm grandes fortunas fundadas. Todos nós nos abrigamos, Mesmo nossos irmãos, os oligarcas russos – abrigamos também os seus tesouros! Hu Dung: Começámos pobres e combatemos e lutamos pelo que obtivemos. Assim, por que não deveríamos desfrutar da nossa fortuna e… tirar prazer também? Senador: Os fantasmas são ciumentos porque sobrevivemos ao passo que por má sorte eles pereceram. Esquivámo-nos às balas e bombas ao passo que eles jazem mortos e não ouvem nossos apelos à colaboração e reconciliação. Agora falam eles daqueles que querem o que obtivemos sem a nossa luta e sacrifício. Deixai os manuais mostrarem que nós, os sobreviventes e vitoriosos, somos generosos para com nossos antigos adversários, mesmo os multimilionários, enquanto desdenhamos daqueles que tagarelam sobre uma luta de classes do passado há muito desaparecido.
TERCEIRO ACTO, Cena 1 (Um Grande Conselho de Fantasmas das sepulturas assinaladas e não assinaladas de combatentes revolucionários) Fantasmas da América Central: (Com grande indignação) Não há nada Que partilhemos em comum Com nossos antigos camaradas. Nem a memória nem o sofrimento os comove. Estão perdidos para apelos à consciência. Só a acção de uma nova geração os moverá e os removerá. Fantasmas da China: Eles cantam e prostituem-se sobre nossas sepulturas. Mesmo quando os repreendemos por suas mentiras, por suas almas degeneradas, neles não vemos qualquer remorso. Advertimos – para que não esqueçam que uma Revolução Cultural não exclui outra. Assim olhamos e esperamos que os desapossados retomem sua terra dos seus predadores. Olhamos para os operários, que suportam a arquitectura deste mundo emergente, para esticarem seus braços e deitarem tudo isto abaixo. Marcham os multimilionários com seus chapéus de bobo pela ruas das prostitutas comuns, abaixo das vielas das injecções de droga. Alcançaremos as mais altas torres onde os veneradores da Califórnia Dourada concebem as Fábricas Fedorentas do Mundo. E pô-las a voar escadas abaixo ou janela afora – é o meio mais rápido. Fantasma do Gueto de Varsóvia: Receio que pouco reste dos rebeldes do Gueto excepto a empresa comercial. Assim, olhamos para nossos irmãos semíticos enclausurados em muros e a sofrer como nós punição colectiva e esbulho que partilhamos com nosso espírito combatente. Descubro um futuro reincarnado como um palestino. Fantasma Sul Africano: O máximo que podemos fazer para sermos verdadeiros para com a nossa memória: Limpar o entulho da história, dissociar os mortos dos vivos degenerados. Juntar os poucos remanescentes, leais à causa da Libertação à nova geração. Libertar o passado dos vendedores ambulantes, Presidentes, Senadores e a burguesia negra que falsamente clama ser a justa herdeira das nossas lutas. Todos os fantasmas: O que tem de ser feito? Perguntámos à Nova Geração nas barricadas em luta: Eles contaram-nos as respostas estão a vir, as vozes estão a levantar-se das selvas da Colômbia aos bairros pobres de Caracas, dos milhões nas fábricas e aldeias da China, às minas e às barracas da África do Sul. Ouvimos o estalar das suas armas nas mãos dos combatentes nas ruas do Iraque, do Líbano e da Palestina. A atearem fogo às enormes nádegas dos multimilionários, possuidores do Império!

James Petras

http://resistir.info/

João César das Neves e a IVG

Sob o título «Dizer não à irresponsabilidade» João César das Neves (JCN) debita hoje a habitual homilia das segundas-feiras, no Diário de Notícias.
Perante o referendo que se aproxima, JCN chama «militantes histéricos» aos que não se revêem na sua concepção confessional, epíteto bem ao gosto dos talibãs romanos. É a atitude de quem não desiste de enviar para os tribunais quem interrompe a gravidez e procura remeter para a clandestinidade as mulheres que se encontram desesperadas.
JCN julga (ou falseia) que é a liberalização do aborto que está em causa quando é, apenas, a consequência penal que vai a votos.
JCN refere o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, que proíbe aos médicos participar na IVG, e, perante a sua inevitável revisão, pergunta em jeito de chantagem: «Mas que devemos pensar de uma classe que muda as suas regras éticas ao sabor da votação e das modas culturais»?
Fazendo tábua rasa da legalidade democrática e omitindo o que se passa na maioria dos países europeus, JCN apenas pretende ser a voz laica do clero romano, o pecador que quer redimir os pecados com a fidelidade ao seu confessor, debitando uma homilia com a visão apocalíptica sobre a eventual vitória do Sim.
Perante as diatribes do virtuoso e pio articulista, vale a pena ler os seguintes artigos do mesmo DN, de hoje:
- Editorial;
- "Tou? Dona Maria? Tenho aqui um problemazinho..." ;
- "Ainda se enfiam agulhas de tricô" em pleno centro do Porto"

Carlos Esperança
http://www.ateismo.net/diario/

Comunicado do núcleo de base da educação da AC- Interpro

Não se pode dar «cheques em branco». Se quisermos uma verdadeira negociação com verdadeiros representantes do grupo profissional, temos primeiro de assegurar que temos um controlo total sobre as negociações. Os negociadores devem ser eleitos em plenário, os sindicalistas eleitos devem comprometer-se em relação aos pontos que as assembleias que os elegeram consideram de princípio, quais os pontos negociáveis ecomo, em que sentido devem sê-lo. Caso contrário, assistimos sempre à mesma tristeza. O epílogo é sempre o mesmo. A «classe» é «incapaz» de fazer valer as suas justíssimas razões por culpa de uns dirigentes que se eternizam e que têm mais preocupação em dar a ilusão de que são «úteis» aos profissionais que dizem representar. O Estatuto da Carreira Docente* (ECD) foi sujeito a um processo de revisão, tendo o Ministério da Educação apresentado uma proposta aos sindicatos do sector, em Maio de 2006. O prazo extremamente curto de discussão, com os exames e as férias a aproximarem-se, tornoumuito desfavorável uma resposta dos sindicatos. No entanto, não houve sequer uma tentativa séria e generalizada de discutir a fundo nas escolas o seu conteúdo, coisa que só poderia ser feita por iniciativa dos sindicatos existentes, pois são eles que têm o direito de convocar tais reuniões, ao abrigo da lei laboral. Em Setembro/Outubro sucederam-se manifestações e uma greve, que não vieram colocar em xeque a posição do Ministério, o qual estava determinado a ir para a frente, com ou sem a assinatura dos sindicatos. Sentaram-se estes à mesa negocial, como bons alunos, embora o documento de partida não fosse realmente uma base negocial aceitável. Porém, dado o grande descontentamento dos docentes, os sindicatos foram pressionados a assumir posições de princípio comuns e a realizar algumas manifestações (meramente simbólicas) unitárias. Autoritariamente, em Dezembro de 2006, o governo aprovou sozinho o novo ECD, sem que nenhum dos 14 sindicatos do sector aceitasse assiná-lo. Este foi publicado em Janeiro de 2007. Face à recusa da TOTALIDADE dos sindicatos em subscrever o ECD, não havendo acordo negocial, a luta deveria continuar e até aprofundar-se após a sua promulgação. Negociar a sua regulamentação é DAR, DE MÃO BEIJADA, «razão» aos senhores do governo...Logicamente, eles dirão: "o ECD afinal, não era assim tão mau, a prova é que os sindicatos estão sentados a negociar a sua regulamentação"! (*) Neste ECD, instaura-se a categoria de «professor titular» contingentada, isto é, apenas 30% dos docentes dum estabelecimento podem aceder a esta. A avaliação do desempenho do docente vai incluir parâmetros como as taxas de sucesso ou insucesso dos alunos: ninguém quererá ensinar turmas com fracos resultados, em geral, alunos carenciados. As piores escolas serão desertadas pelos professores com maior ambição: vai aumentar o fosso entre «boas» e «más» escolas. Em termos gerais, este ECD, ao aumentar a desigualdade, as injustiças e a frustração, não vai contribuir em nada para o melhor desempenho dos docentes.

Manuel Baptista

Esquizofrenia aguda

Um Bento XVI completamente empenhado na cruzada contra a ciência debitou ontem mais um ataque ao uso da razão, que segundo o Papa causa uma esquizofrenia terrível, ou mais concretamente: «Deve admitir-se que a tendência para se considerar verdade apenas aquilo que pode ser experienciado constitui uma limitação à razão humana e produz uma esquizofrenia terrível, causa da existência do racionalismo, materialismo e hipertecnologia».Para além de não perceber o que seja a hipertecnologia denunciada como um mal por Bento XVI e ter dificuldade em aceitar que alguém considere maléfico o uso da razão, só posso considerar como uma manifestação aguda de dissociação cognitiva que o responsável por uma organização assente em «revelações» do «outro mundo» acuse de esquizofrenia quem nunca experienciou excesso de dopamina nas fendas sinápticas e como tal seja avesso a aceitar como verdade alucinações, delírios e percepções irreais sortidas!Não sei se as tolices debitadas pelo Papa foram causadas pela perda de contacto dos padres italianos com o mundo segundo Bento XVI, padres que por insistirem em usar a razão se desviam completamente da demente doutrina católica no que respeita aos temas éticos e sociais que têm dominado as emanações do Vaticano nos últimos tempos.Nomeadamente, parece que nem os padres italianos aceitam a doutrina oficial do Vaticano no que respeita a eutanásia, homossexualidade, uso profiláctico do preservativo, investigação em células estaminais e aborto. De facto, o periódico italiano L'espresso, numa peça considerada ultrajante pelo jornal oficial do Vaticano, L'Osservatore romano, reporta a constatação de um facto, que até os representantes da Igreja consideram que muitas «santas e infalíveis» emanações da Santa Sé são patetadas que se devem rejeitar, isto é, advogam «a religião faça você mesmo» tão execrada por Bento XVI.Os epítetos com que Bento XVI mimoseia quem não aceita os ditames da ICAR têm sido uma revelação para muitos. Depois de igualar o ateísmo ao nazismo, apelidou de terroristas os cientistas que não acatam as ordens da Igreja e agora afirma ser esquizofrenia o uso da razão! Aguardo com um frémito de antecipação mais doutas e infalíveis manifestações do léxico papal!

Palmira F. da Silva
http://www.ateismo.net/diario/

THE GIANT'S REUNION

Se é pelas Crianças tudo bem, mas já agora…

Releio sempre com algum maravilhamento as justificações para alargar a monodocência ao 2º ciclo, assim como para legitimar com a melhor aregumentação psico-pedagógica a criação de um professor “generalista” até onde calhar (porque não até ao 9º ano? afinal é tudo “básico”!).
A razão que apela mais ao sentimento é a que aponta para o bem das crianças, para o que tal medida tem de benéfico para a estabilidade emocional infantil. Talvez, talvez, talvez…
Só que eu lembro-me de com 10 anos ter de ir apanhar o autocarro, mais conhecido por “Barrote Velho”, e ir para o Ciclo a uma mão-cheia de quilómetros de casa e não ter ficado assim tão traumatizado. E conhecer uma boa mão-cheia de professores até foi bem agradável. Mais que não fosse porque estava mais do que fartinho da minha professora primária da 3ª e 4ª classes, pessoa competente mas com as suas manias e arbitrariedades.
E lá ia eu e mais muitos outros, logo ali em cima do 25 de Abril quando havia mais greves que eu sei lá o quê e éramos obrigados a ir de boleia em cima das carroças de transporte de cortiça (e os 10 minutos de trajecto passavam a quase uma hora), para não falar nos abençoados “furos”, por causa da falta sistemática de colocação de professores, ideais para irmos jogar à bola como se nunca mais houvesse amanhã.
Pois, assim a modos que trauma eu não me lembro de nada. Até me lembro de ser bem feliz nessa altura. Ainda hoje recordo essa fase da minha vida escolar como uma das mais confortantes. Mas talvez fosse atípico. O problema é que consultando alguns ex-colegas ninguém se lembra muito de ficar traumatizado com isso. Já com os salários em atraso dos nossos pais (quase todos empregados em grandes empresas nacionalizadas da Margem Sul) uns anitos depois, que faziam com que mais de metade das nossas famílias andasse ao “fiado” nas mercearias (os cartões de crédito ainda eram uma miragem) e a continuação dos estudos fosse mais do que problemática (afinal no meu ano de ingresso à Faculdade fui o único sobrevivente da minha classe da primária, seguindo-se mais um par de amigos no ano seguinte).
É que tendemos a projectar na infância de hoje imagens distorcidas do passado, esquecendo mesmo que os tempos agora são outros, bem mais velozes a todos os níveis, ou então a efabular uma fragilidade infantil onde apenas existem (necessárias) fases de crescimento individual.
E já agora, se é mesmo só pelo bem das crianças, da sua estabilidade e conforto emocional e não por causa de mais nada, que tal se não arrancassem a miudagem das escolas do 1º ciclo das aldeias do interior para as levar para 20 e 30 km de distância em nome do “reordenamento” e “racionalização” da rede escolar?
Nesse caso, já não existe trauma nenhum, pois não? O problema é mesmo a transição para o 2º ciclo, isso é que é mesmo um problema do demo. Pois, está bem.
http://educar.wordpress.com/

A confissão é uma arma

O pasquim da paróquia do Vaticano, «L'Osservatore romano», classificou Sábado como «ultraje ao sentimento religioso» a reportagem publicada na revista italiana «L'Espresso» com as respostas de sacerdotes a falsas confissões sobre temas éticos e sociais da actualidade.A confissão foi sempre uma arma da ICAR, às vezes como solução dos recalcamentos sexuais dos padres, outras como instrumento privilegiado de espionagem ao serviço do Vaticano.O crime de devassa da intimidade dos crentes foi elevado à categoria de sacramento e a fragilidade psicológica dos supersticiosos recompensada com o perdão dos pecados que os sinais cabalísticos dos confessores e a penitência se encarregam de conceder.A diversidade das respostas às perguntas feitas nas «confissões» dos jornalistas sobre assuntos como o preservativo, a SIDA, a homossexualidade e as células embrionárias provaram que a ICAR não tem princípios, basta-lhe a manutenção do poder.Os padres não são ungidos para preservar a moral, ainda que obsoleta e, eventualmente, perversa. Levam com um sacramento - a Ordem - para os tornar guerreiros de Cristo e embusteiros da fé. O Vaticano é um antro onde o poder vive da informação que os seus núncios recolhem nas chancelarias e os padres nesse local de devassidão que são os confessionários.O Deus do Papa é indiferente à fé de quem se ajoelha aos pés dos padres. Umas vezes são devotos à procura de perdão, agora foram jornalistas em busca da verdade.

Carlos Esperança
http://www.ateismo.net/diario/

UM SONHO DE LIBERDADE

Como se sabe, os conceitos de liberdade e igualdade formam os slogans centrais do Iluminismo. Desses ideais, todavia, o liberalismo não foi o único a se apropriar. Paradoxalmente, eles desempenham no marxismo e no anarquismo um papel tão grande quanto... E também para os movimentos sociais contemporâneos eles possuem um alto valor ideológico.
A esquerda fita os ídolos da liberdade e da igualdade como o coelho fita a cobra. A fim de não ser cegado pelo esplendor desses ídolos, recomenda-se dirigir o olhar para os seus fundamentos sociais. Marx [1818-83] desvendou esses fundamentos já há mais de cem anos. Trata-se da esfera do mercado, da circulação capitalista, da troca de mercadorias, da compra e venda universais.
Nessa esfera predomina uma espécie bem determinada de liberdade e igualdade, que se refere única e exclusivamente a vender o que se quer -supondo que se encontre um comprador-, e comprar o que se quer -supondo que se possa pagar.
E só nesse sentido predomina também a igualdade, isto é, a igualdade dos possuidores de mercadorias e de dinheiro. Nessa igualdade não importa a quantidade, mas a forma social comum. Para o "cent" comprar não é o mesmo que para o dólar; mas tanto faz se é "cent" ou dólar, em termos qualitativos predomina a igualdade da forma dinheiro. Na compra e venda não há senhores e escravos, ordem e obediência, mas apenas as pessoas livres e iguais do direito. Tanto faz se homem ou mulher ou criança, tanto faz se branco ou preto ou marrom -o cliente é bem-vindo em todas as circunstâncias. A esfera da troca de mercadorias é a esfera do respeito recíproco. Onde se realiza uma troca comercial de mercadoria e dinheiro não há violência. O sorriso burguês é sempre um sorriso de vendedor.
O sarcasmo de Marx se refere ao fato de essa esfera do mercado constituir somente um pequeno fragmento da vida social moderna. A troca de mercadorias ou a circulação tem por pressuposto uma esfera bem diferente, nomeadamente a produção capitalista, o espaço funcional da economia empresarial ou do "trabalho abstrato" (Marx). Aqui valem leis bem diferentes daquelas da circulação das mercadorias, aqui o sorriso do vendedor se congela no esgar cínico do feitor de escravos ou do guarda da prisão.
No trabalho, assim já escrevia o jovem Marx, o trabalhador "não está em si, mas fora de si". A liberdade na produção de mercadorias é tão pequena que nem sequer pode determinar o conteúdo, o sentido e o fim do que é produzido ali. Tampouco os proprietários de capital e os empresários possuem essa liberdade, visto que eles estão sob a pressão da concorrência. Daí a produção seguir inteiramente os princípios de ordem e obediência.
Onde o regime da economia empresarial é especialmente "eficiente", as trabalhadoras e os trabalhadores nem sequer podem ir urinar com autonomia. Essa severidade produtiva ganha dimensões extraordinárias justamente no neoliberalismo. Só na aparência a liberdade e a igualdade da circulação, por um lado, e a ditadura da produção empresarial, por outro, se contradizem.
De um ponto de vista puramente formal, as trabalhadoras e os trabalhadores são não-livres na produção justamente porque antes efetivaram sua liberdade no mercado na qualidade de possuidores de mercadoria, isto é, venderam sua força de trabalho. Naturalmente, essa liberdade de vender a própria força de trabalho se deve a uma coerção, logo a uma não-liberdade: a modernização criou as condições históricas em que não mais há nenhuma outra possibilidade de se conservar em vida.
É preciso ou comprar força de trabalho e empregá-la para o fim em si mesmo da valorização do capital ou vender sua própria força de trabalho e deixar-se empregar para esse fim em si mesmo. Enquanto havia ainda produtores independentes (camponeses e artesãos), não existia um mercado universal, a maior parte das relações sociais se desenrolava em outras formas. A ascensão do mercado universal foi acompanhada pelo declínio dos produtores independentes. Só porque há mercado de trabalho, ou seja, só porque a força de trabalho humana assumiu a forma de mercadoria, todos os outros bens são comercializados também como mercadorias.
Portanto, a esfera da liberdade e da igualdade só existe de modo geral porque a esfera da não-liberdade se constituiu na produção. É por isso que a liberdade universal se realiza também na forma da concorrência universal.
Esse problema se estende ao âmbito da reprodução pessoal ou da privacidade, onde as mercadorias são consumidas e as relações sociais íntimas têm o seu lugar. Aqui há muitas atividades e momentos da vida que não se reduzem à produção de mercadorias (economia doméstica, educação dos filhos, "amor" etc.).
No processo de modernização, a responsabilidade por esses aspectos foi impingida, no plano material, no sociopsíquico e no simbólico-cultural, às mulheres, e justamente por esse motivo elas foram socialmente desvalorizadas: trata-se de momentos da vida social que não são "dignos de dinheiro", isto é, são de segunda classe ou de valor menor no sentido da valorização do capital. Essa "cisão" (Roswitha Scholz) não se limita a uma esfera secundária demarcável: atravessa todo o processo de vida social.
Assim, no interior da produção de mercadorias, as mulheres são mais mal pagas em regra, e é relativamente raro que cheguem a posições de liderança. Nas relações pessoais predomina um determinado código dos sexos que implica para as mulheres uma relação de dependência estrutural, mesmo que esta seja algumas vezes quebrada ou modificada na pós-modernidade. De modo análogo, a parte não-branca e não-ocidental da humanidade é abandonada a uma subordinação estrutural, formulada de maneira racista já no Iluminismo.
Única e exclusivamente na esfera da circulação, do mercado, todas as relações próprias de uma "dominação do homem sobre o homem" parecem extintas. Essa esfera hipócrita da liberdade e da igualdade não se baseia, no entanto, somente em estruturas de dependência; em um sentido direto, ela se constitui também como uma mera função para o fim em si mesmo da valorização do capital. Pois o mercado universal não serve, em crassa oposição ao intercâmbio de produtores independentes entre si, à satisfação recíproca das carências.
Pelo contrário, ele é somente um estado de agregação ou um estágio de transição do próprio capital. Na venda o valor abstrato se "realiza" como dinheiro, e exatamente nisso consiste a função da troca aparentemente livre. O capital monetário originário, que se metamorfoseia em mercadorias por meio da produção, retorna à sua forma de dinheiro multiplicado pelo lucro. É nisso que se manifesta o caráter do capital como fim em si mesmo, isto é, fazer do dinheiro mais dinheiro e assim acumular "riqueza abstrata" (Marx) em um progresso ao infinito.
Portanto, ao efetivarem sua liberdade e igualdade na esfera da circulação, as pessoas não fazem nada mais que efetuar a "automediação" do capital, ou seja, fazem com que a mais-valia produzida ou o lucro deixe a forma mercadoria e se transforme de novo em forma dinheiro. Por isso a liberdade e a igualdade da circulação não são nada mais que uma engrenagem para o fim da "realização" do capital. Cada ato de liberdade precisa efetuar uma espécie de operação de bombeio para levar o capital do estado de agregação "mercadoria" ao estado de agregação "dinheiro".
A liberdade burguesa moderna possui, portanto, um caráter peculiar: ela é idêntica a uma forma superior, abstrata e anônima de servidão. A emancipação social seria libertar-se dessa espécie de liberdade, em vez de "realizá-la". As coisas não são melhores com o conceito de igualdade, que implica abertamente uma ameaça, a de espremer os indivíduos em uma única e mesma fôrma.
A modernização enfiou a humanidade, por assim dizer, em um uniforme homogêneo de sujeitos de dinheiro. Mas atrás disso se ocultam relações de dependência estrutural. Na realidade, as carências, os gostos, os interesses culturais e os objetivos pessoais dos indivíduos jamais são "iguais"; eles foram somente submetidos à igualdade da forma mercadoria. Por isso, como disse [o filósofo alemão Theodor] Adorno [1903-1969], emancipador seria poder ser "desigual em paz".
Desde o Iluminismo a igualdade recebeu seu falso nimbo por meio de um truque de prestidigitação dos ideólogos burgueses. O significado do conceito da desigualdade foi deslocado da pura diversidade dos indivíduos para a subordinação de um indivíduo ao outro. O que em si mesmo é mera expressão da peculiaridade individual, isto é, a desigualdade, aparece de repente como expressão da dependência. E vice-versa: o que em si mesmo é expressão da coerção uniforme, isto é, a desigualdade, aparece de repente como expressão da libertação da dependência. Temos de lidar aqui, na ideologia moderna, com um caso típico de linguagem orwelliana.
Na realidade, a desigualdade nada tem a ver com a dominação, e, a igualdade, nada a ver com a autodeterminação. Antes o contrário: a própria igualdade na modernidade é uma relação de dominação.
O resultado é uma permanente contradição da ideologia moderna. De um lado, a esfera da circulação é separada do contexto inteiro da reprodução capitalista e elevada a ideal. De outro, a ditadura factual na produção e a desvalorização estrutural do feminino são declaradas como "lei natural objetiva" intransgredível. Incessantemente um aspecto precisa ser jogado contra o outro; e justamente em razão disso se consolidam nas cabeças as relações sociais. Liberdade e igualdade representam exatamente o que Adorno designou de "contexto de cegueira".
E a esquerda herdou tal cegueira juntamente com o aparato conceitual do Iluminismo. Particularmente os utópicos, socialistas democráticos e libertários, anarquistas e dissidentes dos países do socialismo de Estado apelaram sempre para os ideais de liberdade e igualdade, sem reconhecer que eles se restringem à esfera da circulação e sem enxergar o nexo interno de liberdade e não-liberdade existente na modernidade.
Hoje a crítica social parece mais do que nunca recair nos ideais da circulação. O que tem causas estruturais. A crise mundial provocada pela terceira Revolução Industrial expulsa um número cada vez maior de pessoas da produção real, convertendo-os forçosamente em agentes da circulação. Como operadoras de serviços baratos de todo tipo, como vendedoras, comerciantes de rua e até como pedintes, elas próprias vivenciam agora, de modo paradoxal, a esfera da liberdade e da igualdade como o jugo de um trabalho secundário; a ditadura da produção se estende a atividades cada vez maiores da circulação, até chegar ao empresariado da miséria. Liberdade e não-liberdade coincidem aí de imediato; mas, ideologicamente, esse paradoxo é tanto mais assimilado nos termos dos ideais da circulação.
Na medida em que os indivíduos se vivenciam a si próprios como pequeno-burgueses e como negociantes de seu "capital humano" cada vez mais em circulação, o utopismo da troca de mercadorias retorna, depois do fim do socialismo do trabalho, em uma versão neopequeno-burguesa. Em uma sociedade em que permanentemente todos querem empurrar a todos alguma coisa e em que as relações sociais se dissolvem em um bazar universal, os crescentes fenômenos de crise são percebidos pela retícula da existência vivida na circulação
De maneira francamente compulsiva, uma intelligentsia de vendedores de si próprios interpreta os problemas oriundos da terceira Revolução Industrial segundo o modelo das relações da circulação: "Um possuidor de mercadorias afeta o outro". Mesmo a superação da produção de mercadorias é pensada conforme as categorias da "troca eterna".
Os indivíduos, cuja constituição não é refletida de forma crítica e que só aparentemente são "independentes uns dos outros" na esfera da circulação, devem presentear reciprocamente seu "favor" e "mostrar boa vontade", em vez de concorrerem entre si; tudo como se o problema não residisse no plano do modo de produção e da vida social, mas sim no plano de uma "patologia" representável em termos individuais, a qual poderia ser "curada" por medidas pedagógicas e terapêuticas.
O sorriso falso dos vendedores é estilizado no idealismo de um tratamento mútuo simpático, não mais marcado pela concorrência, como se fosse factível uma transformação social passando ao largo do modo substancial de produção e de vida e lançando mão somente dos construtos utópicos relativos ao comportamento pessoal, os quais todos têm sua raiz na esfera idealizada da circulação -sendo que os utopistas neopequeno-burgueses se nomeiam a si próprios como "médicos que estão junto do leito do sujeito".
Propagada em muitos países, a ideologia dos escambos praticamente não representa nada mais do que uma economia de hobby; onde ela foi praticada em grande escala, como há pouco tempo durante a crise argentina, fracassou grandiosamente. Ainda mais insuficiente parece a tentativa apoiada nas investigações do etnólogo francês Marcel Mauss [1872-1950], sobretudo em sua principal obra, o "Ensaio sobre a Dádiva", de salvar da concorrência a "troca eterna" segundo o modelo das assim chamadas sociedades arcaicas e transformá-la em uma permuta de presentes, ou seja, em uma espécie de Natal permanente.
Essa idéia de uma "economia do presente" não pode, segundo sua essência, ir além do âmbito das relações pessoais imediatas; daí ela ignorar a escala das forças produtivas sociais e dos contextos sociais altamente organizados. Seria ridículo se um indivíduo dissesse ao outro: se me "doas" um transplante de rim, eu te "dôo" uma debulhadora, caso sejas honesto. O problema não é "mostrar boa vontade" de maneira recíproca e individual, mas sim aplicar com sentido, e não de forma destrutiva, as potências sociais (infra-estruturas, sistemas de formação e ciência, sistemas da produção industrial e da imaterial).
As utopias da circulação, ao contrário, buscam uma solução sempre e primariamente no plano dos modos de comportamento individual. Isso significa frear o cavalo pelo rabo. Em vez, mediante uma revolução social da produção e do modo de vida, tornar supérflua a circulação de mercadorias e a concorrência nos mercados ligada a ela, exige-se do sujeito isolado da circulação que ele realize a pretensa ontologia da troca em uma forma depurada. A concorrência deve ser "moralizada".
A emancipação social aparece então como mera conseqüência de uma utopia da liberdade e igualdade do sujeito da circulação, supostamente "realizada" em pequenos grupos. A questão da solidariedade prática nos contextos sociais é ideologizada e convertida em um idealismo pedagógico mentiroso, muitas vezes psicoterapêutico, o qual pode se tornar simplesmente o terror da gentileza e do controle social recíproco (por exemplo, segundo o modelo de seitas religiosas). Esse utopismo neopequeno-burguês do capital humano em circulação está condenado ao fracasso tanto quanto todas as utopias anteriores.
Robert Kurz
http://obeco.planetaclix.pt/

terça-feira, janeiro 30, 2007

Movimento do Não quer ter tempos de antena antes e depois de anúncios da Dodot

A Comissão Nacional de Eleições excluiu da campanha do referendo de 11 de Fevereiro três grupos de cidadãos pelo «não» à despenalização do aborto. O «Útero Sagrado», o «Não matem o Noddy» e o «O demónio vota sim» foram os movimentos excluídos. A CNE avaliou a regularidade das actividades de campanha de esclarecimento, como prevê a lei, tendo nos três casos encontrado « espaços comerciais na imprensa escrita, adquiridos ao lado de anúncios de concertos para bebés, panfletos com meninos loirinhos de quatro anos a dizerem que os pais dele votam não, colados nas paredes de salas de aulas de yoga para bebés», referiu Godinho de Matos. Os movimentos já recorreram da decisão para o Tribunal Constitucional e acusaram os movimentos a favor do “sim” de usar as entrevistas em que Elsa Raposo fala da sua gravidez, na campanha pelo “sim”.
http://biscoitointerrompido.blogspot.com/

PSD quer lei Bosman para políticos para sacar dividendos pelo facto de Sócrates ter feito toda a sua formação na JSD

O PSD pretende que essa lei obrigue o governo a oferecer um safari em África para os principais militantes do PSD e bilhetes para a Glória Gaynor. A aplicação da lei Bosman na política obrigaria a que o blogue Abrupto incluísse links para sites de extrema-esquerda como contrapartida. Uma empresa que dá cursos de formação para tele-evangelistas aguarda a aprovação dessa lei para reclamar o pagamento de 5 euros ao CDS devido à formação dada a Bagão Félix, Ribeiro e Castro e Maria José Nogueira Pinto. “Esta lei aplica o princípio britânico de transformar costumes ancestrais em lei”, referiu um jurista.
http://biscoitointerrompido.blogspot.com/

Brian Eno "2/2"

Afinal os PROFESSORES em Portugal não são assim tão maus...

Convido, antes de se vir para aqui com disparates e mentiras, que se consulte a última versão (2006) do Education at a Glance, publicado pela OCDE. Vou facilitar-lhe o trabalho de pesquisa: encontra esse documento em http://www.oecd.org/dataoecd/44/35/37376068.pdf Se for à página 58, verá desmontada a convicção generalizada e disparatada de que os professores portugueses passam pouco tempo na escola e que no estrangeiro não é assim. Está lá escarrapachado que, em tempo de permanência na escola, os professores portugueses estão em 14º lugar (em 28 países), com tempos de permanência superiores aos japoneses, húngaros, coreanos, espanhóis, gregos, italianos, finlandeses (sim, os tais que o ex-PR disse, na TV, que passavam 52 horas por semana na escola, eh, eh, eh), austríacos, franceses, dinamarqueses, luxemburgueses, checos, islandeses e noruegueses! E agora? Quem tem mais credibilidade? O estudo da OCDE, ou o "estudo" a olhómetro de muitos (à boa maneira portuguesa...)? Já agora, no mesmo documento de 2006 poderá verificar, na página 56, que os professores portugueses estão em 21º lugar (em 31 países) quanto a salários! Admirado, não? Pois é, há dias, os jornais da situação vomitaram cá para fora que os professores portugueses eram os terceiros mais bem pagos, não foi? Mas há mais (e olhe que vi os gráficos na diagonal...)! Mais, na pág. 32 poderá verificar que, quanto a investimento na educação em relação ao PIB (e olhe que temos um PIB de trampa!), estamos num modesto 19º lugar (em 31 países - aposto que está boquiaberto, o seu olhómetro dava-lhe outros números, não?)) e que estamos em 23º lugar (em 31 países) quanto ao investimento por aluno, como se pode verificar na pág. 32. Isto o ME não manda publicar, não!!!

In: "A Página" - http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=5144

Assim Não: versão Gato Fedorento

Ricardo Araújo Pereira (RAP) no seu melhor! Claro que a homilia de ontem de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o tema foi ainda mais surreal que qualquer sátira...









Palmira F. da Silva
http://www.ateismo.net/diario/

A Indignação

Uma das coisas mais bizarras que se passam nos dias de hoje é sem dúvida nenhuma a indignação religiosa face à modernidade. Os crentes ficam indignados com a emancipação da mulher, com a liberdade de escolha individual, com os sistemas de valores não autoritários, enfim ficam irritados com tudo o que não seja um claro sim às suas posições sociais e políticas (convém lembrar aos mais esquecidos que essas posições não são actualizadas há séculos e que se baseiam em conceitos que já eram antiquados na renascença). No meio de tanta raiva e indignação nunca lhes ocorre ver ou pensar sequer nos outros.Como será que os ateus se sentem no meio disto tudo? Como é que os defensores da igualdade dos sexos se sentem ao terem que lutar todos os dias por algo que devia ser um direito adquirido? Como é que as minorias sexuais que foram perseguidas, humilhadas e chacinadas se sentem ao ver os mais básicos direitos negados pelas mesmas pessoas que acenderam os fogos dos autos de fé? Todas estas coisas não parecem sequer ocorrer ao crente médio. Em parte é cegueira derivada de viver numa sociedade que recompensa a afirmação de todas estas alarvidades e em parte é apenas egoísmo. Não querem saber porque não estão para ser incomodados, eles estão certos porque sim. Porque o livro diz que sim. Porque uns homenzinhos de fatiota não resolveram os complexos de juventude dizem que sim.Cada vez que um crente atirar à cara que se sente ofendido com A ou B eu faço questão de lhe dar uma lista detalhada de tudo o que nele e na sua religião me é pessoalmente ofensivo, tudo o que é politicamente opressivo e simplesmente injusto. O resultado normalmente é o amuo. Sentimento digno de uma criança que ficou chateada ao lhe dizerem que o mundo não existe para a satisfação dos seus caprichos pessoais.

Pedro Fontela
http://www.ateismo.net/diario/

Is Bush an "Idiot"?

A tecnologia como causa direta do trabalho precário

Muito se tem falado sobre a “precarização” do mercado de trabalho. As causas apontadas são muitas. Mas a única que parece estar sempre presente é a utilização das novas tecnologias de informação e comunicações.

“Uma revolução tecnológica, a revolução informacional, está na base das transformações ocorridas principalmente no último quartel do século XX. [André] Gorz chama a atenção para a diferença dessas tecnologias em relação àquelas que proporcionaram o surgimento da revolução industrial. A revolução informacional é ao mesmo tempo poupadora de trabalho, de tempo de produção e maximizadora da produtividade. E isso faz toda a diferença, quando são apropriadas unilateralmente pelo capital. A sociedade do pleno emprego acabou e não voltará mais”. (1)O trabalho “precário” se apresenta de muitas formas e tem crescido em uma proporção mais ou menos direta com a redução das formas de trabalho consideradas “estáveis”. O trabalho formal, em tempo integral, e por prazo indeterminado, tem cedido espaço ao trabalho “informal”, em tempo parcial ou por prazos determinados.Em todos esses casos, existe uma substancial redução no nível de renda e nos benefícios sociais obtidos pelos trabalhadores. O que estaria pro detrás dessa tendência aparentemente irreversível?A primeira consideração que devemos fazer é a diferença entre “emprego” e “trabalho”. O primeiro corresponde a uma relação social entre seres humanos livres. Quem é “empregado” é empregado de “alguém” e em princípio, por sua livre vontade. Já “trabalho” é um conceito que pode ser aplicado a escravos, animais e máquinas. Um escravo trabalha mas não é empregado, isso porque não tem escolha. Sua relação com o seu senhor não é livre, e isso tem implicações fundamentais em relação ao número de horas que ele não trabalha, como veremos a seguir.Um animal ou uma máquina não são seres dotados de vontade própria e portanto, a decisão de executar ou não uma tarefa, jamais lhes pertence. Isso também é muito importante. O que definimos como “trabalho estável” na verdade sempre se confundiu com o conceito de “emprego”. Dentro desse paradigma, podemos estender a idéia de que “emprego” é uma relação em que o empregado fica “a disposição” do empregador. Nesse caso, ele não vende necessariamente sua “força de trabalho”, mas sim o seu “tempo”.Se estivermos tratando de tarefas simples, da agricultura não mecanizada ou dos primórdios da era industrial por exemplo, não existe diferença visível entre uma coisa e outra. A menos que surgisse uma situação fora de seu controle (quebra da máquina, falta de matéria prima, etc), o empregado sempre estaria transformando seu “tempo” em “trabalho”. Mas isso começa a deixar de ser verdade à medida que as tarefas e as funções tornam-se cada vez mais complexas e especializadas. Ocorre que a relação social que chamamos de “emprego”, era então a forma eminentemente predominante para se negociar “trabalho” (fora apenas às atividades claramente artesanais). Agora o empregador devia “empregar” um técnico, um especialista ou um burocrata de forma a poder obter dele o trabalho de que necessitava. Em outras palavras, ele tem de comprar todo o “tempo” que o profissional tem disponível. Isso não significa que todo o tempo assim “comprado” pelo empregador seja efetivamente utilizado. Mais importante ainda, não significa que a “qualidade” do trabalho produzido durante o “tempo” adquirido pelo empregador seja uniforme.Por exemplo: Se alguém contrata um engenheiro em tempo integral, isso não significa que ele irá “trabalhar” o tempo todo que durar o seu “expediente” remunerado, e nem que ele executará trabalho de engenheiro o tempo todo.A contratação do engenheiro significa apenas que um profissional, com essas qualificações, esta agora “disponível” por um certo número de horas semanais. Nada impede que essa pessoa passe várias horas do dia sem fazer nada de “produtivo”, ou que boa parte do seu tempo seja dedicado a um trabalho que não exige as qualificações pela qual ele está sendo pago.Isso se devia especialmente as limitações tecnológicas. O empregado especializado devia se mudar pelo menos para a mesma cidade onde trabalharia. Além disso, devia se encarregar da parte “rotineira” de seu trabalho, pois não havia quem a fizesse por ele.Nesse caso, o trabalho “especializado” passou a envolver duas componentes de “tempo”. Uma representando o trabalho criativo e dependente das reais qualificações do profissional e outra representada pelo trabalho “rotineiro” somado aos “tempos de espera” onde o profissional simplesmente não pode atuar.O trabalho “rotineiro” é aquele em que o profissional executa tarefas úteis mas que exigiriam qualificações muito abaixo das suas (analistas de sistemas instalando programas, médicos preenchendo fichas, engenheiros desenhando peças, sociólogos preenchendo planilhas, economistas montando estatísticas, etc). Os “tempos de espera” são aqueles em que a função do profissional tem de ser “inserida” apenas dentro de uma seqüência pré-determinada (comandantes de aeronaves que aguardam instruções da torre de controle, cirurgiões que aguardam os procedimentos do anestesista, etc). Na verdade, podemos ter uma combinação dos dois “tempos” mesmo em funções bem menos sofisticadas (vendedores que são obrigados a preencher formulários de pedidos e aguardar a confirmação da disponibilidade dos itens, operadores de empilhadeiras que aguardam a manobra de caminhões e no final do dia devem preencher papeletas de controle, etc).Em todos esses casos, alem do trabalho realmente especializado, existem as parcelas de “tempo de espera” e a de “trabalhos de rotina” que tem um custo muito elevado, já que são pagos pelo “valor de mercado” do profissional. Um operador de um “super guindaste” não aceitaria ser pago com o valor de um “auxílio desemprego” enquanto aguarda a preparação da peça que deverá mover, sob a alegação de que afinal ele “não está fazendo nada”. Um projetista de aviões não aceitaria ser pago como desenhista, nas horas em que está preparando sua apresentação de um novo modelo. (Trabalho que ele mesmo tinha de fazer, já que os desenhistas profissionais não teriam no que se basear).Assim, não é de estranhar que as novas tecnologias procurem eliminar esses “tempos mortos” ou no mínimo “caros demais”. Essa é a chave para se entender as bases da “reestruturação produtiva” da economia contemporânea.As novas tecnologias de informação e telecomunicações, juntaram-se, colaboraram e foram beneficiadas pelas continuas reduções de custos nos transportes terrestres, marítimos e aéreos, bem como na difusão generalizada de conhecimentos e na padronização e integração de vários sistemas de produção de bens e serviços. Todos esses fatores reunidos, tornaram viáveis propostas que em si não tem nada de novo, apenas eram inviáveis do ponto de vista econômico e tecnológico. Por exemplo, é só imaginar transferir todo o setor de confecção de uma empresa britânica para a China na época do telégrafo e dos navios a vapor. Ou enviar todas as tomografias computadorizadas de um grande hospital norte-americano para serem examinadas e receberem parecer de médicos hindus através do sistema de “radiofotos” dos anos 50. Tudo isso seria ou muito caro ou simplesmente impraticável.Mas nos dias atuais, uma grande empresa aérea dos EUA, transferiu todo o seu sistema de reservas de passagens para donas de casa, que executam essas tarefas enquanto cozinham e cuidam de bebês.Uma equipe de mergulhadores, especializados em reparações em plataformas de petróleo pode executar seu trabalho no golfo do México hoje, e estar pronta para executar o mesmo trabalho no litoral do Rio de Janeiro alguns dias depois.Um grupo de consultores financeiros pode analisar e sanar falhas nas finanças de empresas que jamais verão, e dar conselhos sobre investimentos para empresários que jamais conhecerão pessoalmente.Essas e outras “proezas” são fruto da tecnologia e não de políticas governamentais, do “triunfo do mercado” (como quer a “direita”) e nem um novo e terrível paradigma de “super exploração” do proletariado (como quer a “esquerda”).Tudo isso tem um objetivo só: Eliminar tanto quanto possível, a parcela de “tempo” em que profissionais, especializados ou não, permanecem inativos ou executando tarefas abaixo de suas qualificações (e respectiva remuneração).Por exemplo: Maquinas com controle numérico computadorizado em indústrias metalúrgicas eliminam a necessidade de haver um operador por máquina, permitindo que até 5 máquinas sejam “supervisionadas” ao mesmo tempo por um único operador. Os bancos de dados de computadores eliminam a necessidade de profissionais de “colarinho-branco” coletarem e organizarem informações.As comunicações “on-line” permitem que gerentes de bancos, promotores de vendas, ou corretores de seguros, atendam um número muito maior dec clientes. Isso porque em todos esses casos, elimina-se o “tempo de espera” ao mesmo tempo em que desaparece a necessidade de profissionais qualificados executem trabalho de rotina.Na prática, numa economia moderna, existem poucas atividades onde o “tempo de espera” e o “tempo caro demais” não possam ser muito reduzidos. Isso se aplica até a atividades onde os salários são baixos. Modernos sistemas integrados de alarmes e câmeras podem reduzir em muito a necessidade de guardas de segurança. O uso de “logística” informatizada na contratação e distribuição de pessoal, no esquema “just-in-time” (as pessoas certas na hora certa), triplica o “rendimento” de faxineiras a empregados em manutenção.Mas toda essa eficiência tem um preço. Ocorre que as pessoas não podem viver de forma decente apenas com o que recebem com o seu “trabalho” realmente especializado, pago apenas no momento em que são necessários.De inicio, pensava-se que a expansão da capacidade produtiva corresponderia a uma expansão correspondente da demanda, o que levaria apenas a uma melhora na “qualidade” dos empregos. Mais não foi isso o que aconteceu.Na prática, o que se viu foi uma brutal redução no “emprego” sem redução do “trabalho”. Isso se deve ao fato de agora, com as novas tecnologias, as empresas só precisam pagar o “tempo realmente qualificado” e apenas nos períodos quando ele é necessário. O resultado é o trabalhador precário.Vem daí o que Huw Beynon chama de “Hyphenated workers” (trabalhadores hifenizados) para se referir aos “par-time-workers”, ”temporary-workers”, ”casual-workers”, ”self-employed-workers”, etc.(2)Todas essas relações precárias derivam essencialmente da capacidade tecnológica das empresas de eliminar cada vez mais “empregos” -que estabelecem vínculos “sociais” independentes da real produtividade- e reduzir a atividade contratada apenas ao “trabalho” realmente necessário.As conseqüências políticas e sociais, em longo prazo, são absolutamente imprevisíveis. Notas: (1) “Pelo êxodo da sociedade salarial. A evolução do conceito de trabalho em André Gorz” - Autor: André Langer - 27 de agosto, 2004.Disponível em: http://www.vinculando.org/brasil/conceito_trabalho/index.htmlAceso em 30/11/2006(2) “Os sentidos do Trabalho” – Ricardo Antunes – São Paulo, 1999, Boitempo, Pág. 72.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/