segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Da Razão dos Professores e do Défice Democrático Nacional

As manifestações espontâneas de professores que decorreram no presente fim-de-semana em várias localidades do país (Porto, Leiria e Caldas da Rainha), a par daquelas outras que um pouco por todo o lado trazem para as ruas o protesto e a indignação de milhares de cidadãos confrontados com o inexplicável encerramento de serviços sociais fundamentais ou com a sua absurda deslocalização, particularmente os de assistência à doença e protecção à saúde, devem rapidamente ser interpretadas pelos órgãos de soberania nacional como um sério aviso e como um inquestionável sinal da anémica fragilidade sobre a qual se sustenta presentemente a democracia política em Portugal.
É mau -é muito mau- sinal para a democracia política e social portuguesa que, para ilustrar o alegado sucesso do rumo da actual governação, o primeiro-ministro invoque e priorize a “constituição de empresas na hora” e deixe a muitas horas de distância o atendimento a cidadãos em prolongada situação de dor e sofrimento, fechando-lhes, na hora, e quase sem aviso prévio, as urgências hospitalares.
É mau -é muito mau- sinal para a democracia representativa que os nossos governantes entendam que os sindicatos são organizações marginais relativamente aos interesses e às expectativas dos profissionais que estes representam.
É mau -é muito mau- sinal que um crescente número de portugueses queira em Portugal exercer o seu cada vez mais cerceado direito à cidadania e se renda à obrigação de cada vez mais ser consumidor em Espanha. É lamentável que muitos cidadãos portugueses assumam, já sem reservas, que se envergonham dos seus governantes e, com compreensível pudor, até já digam que de Espanha, afinal, já só vêm “bons ventos e bons casamentos(!)” porque maus são os que por cá se fazem violentamente sentir e interesseiramente urdir.
Os perigos para a democracia política portuguesa são já demasiado evidentes. Por um lado, as instituições públicas e a democracia política perdem rapidamente a confiança dos cidadãos, arredando-os do fundamental estatuto democrático de co-autores das decisões políticas fundamentais, e, por outro lado, na ausência de uma visão política de futuro credível para Portugal e perante o insucesso que os indicadores de desenvolvimento económico e social tratam de insistentemente revelar, o governo insiste em governar quase exclusivamente para marcar pontos nas estatísticas da Europa, seja através do infindável combate ao défice público seja mediante a artificial redução dos números do desemprego, do insucesso e do abandono escolares.
Para além da razão que assiste aos professores (a qual se me afigura incontestável, tal como em anteriores crónicas justifiquei), importa sublinhar que a grave crise de representação democrática que vivemos em Portugal, tem como causa primeira a emergência de uma tecnocracia política liderada pelo actual governo socialista, de cariz predominantemente europeísta e vincadamente economicista, de corrosiva natureza partidocrática, de vocação tentacular para com a partidirazação do Estado e prossecutória para com a participação dos cidadãos.
A acção governativa em matéria de educação é, deste perigoso facto, paradigmático exemplo ilustrativo. Senão veja-se:
1. O Ministério da Educação tratou, desde cedo, de desvirtuar e esvaziar de conteúdo democrático os desejáveis e legalmente protegidos processos de negociação com as estruturas representativas dos professores. Para evitar a mediação e a participação dos sindicatos dos docentes em decisões políticas essenciais para a educação, optou por constituir, na boa linha da tradição monárquica mais conservadora, um seu apêndice, o ‘Conselho de Escolas’, o qual, mais do que vocacionado para efectivamente representar junto do Ministério da Educação as escolas, os professores e as preocupações sentidas nos territórios educativos pelos seus actores imediatos e mediatos, se apresenta como um nascituro órgão a quem já se atribui a incumbência de calar a voz de alunos, de professores e de encarregados de educação, e, ao invés do discurso oficial, de às escolas levar a “voz do dono”, configurando-se, assim, como mais uma extensão tentacular deste gigantesco polvo em que se transformou o Ministério da Educação e a política centralista que o rege;
2. O governo socialista aprovou e impôs unilateralmente um estatuto profissional que cumpre a estratégia de dominação preconizada por qualquer neo-maquiavel ou por qualquer conselheiro de Estado norte-americano: dividir para reinar(!). Para tanto fez dividir a carreira docente em duas categorias, através de um incoerente, injusto e absurdo concurso para professor titular. Com ele e com as injustiças por ele geradas, enquanto os professores se entretinham a contabilizar e a fazer prova dos pontos por si amealhados para efeitos de concurso, a ministra da Educação e a sua equipa, preparavam novos e mais requintados normativos para golpear a escola pública. O novo Estatuto do Aluno e o recente modelo de direcção e gestão das escolas constituem deles dois dos muitos exemplos da autocracia tecnocrática instada no governo da nação;
3. De permeio ficam muitas iniciativas unilaterais e outras tantas omissões de que este governo tem sido pródigo autor. Relembre-se que nunca a ministra da Educação teve uma palavra de apreço para com os professores e jamais ousou dar-lhes uma palavra de confiança e de motivação para o seu cada vez mais exigente desempenho profissional. Pelo contrário, para além de os obrigar a cumprir muitas dezenas de horas extraordinárias não remuneradas (dentro e fora das escolas), de lhes aumentar a ansiedade e promover o desenvolvimento de patologias associadas à mais stressante das carreira profissionais (como vários estudos fazem notar), tratou, também, de desbaratar a essência da profissionalidade docente vinculando os professores à obrigatoriedade de assegurar aulas de substituição, quer em prejuízo da natural e desejável socialização entre crianças e jovens, quer em prejuízo de apoios educativos direccionados para os alunos que deles efectivamente necessitam;
4. Como se tudo isto não bastasse, tratou a srª ministra da educação de, mais recentemente, vincular os professores à obrigação de entre si avaliarem (policiarem!) os respectivos ‘umbigos didáctico-pedagógicos’, sendo que, no atabalhoado e ignóbil modelo de avaliação instituído, como condição cimeira para a obtenção da nota ‘Excelente’, os professores não podem ter uma única falta anual e, para alcançar aquela mesma menção ou para a de ‘Muito Bom’, os professores terão de fazer transitar de ano -administrativamente, como implicitamente se pede? - todos os alunos e de implorar aos deuses (não vejo que todos os pais e muito menos os serviços sociais de protecção e apoio aos menores o façam) que nenhum dos seus alunos ouse abandonar as turmas que lecciona.
Enfim, é Portugal e decorre o ano de 2008. A democracia parece esconder-se, cada vez mais, no sebastiânico nevoeiro da política nacional. Talvez um dia, livremente, se ensine nas escolas não só o que foram os anos negros desta longa legislatura, mas, também e sobretudo, se aprenda como ela foi democraticamente desalojada do poder, para que em política se não voltem a cometer estes mesmos erros e não se repitam estes ofensivos tiques autocráticos.
http://sol.sapo.pt/blogs/kosmografias/default.aspx

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