sexta-feira, fevereiro 27, 2009

PREVISÕES MARXISTAS

Neste tempo de rápido “corta e cola” de e na Net, tendo sido abandonada a verificação da fiabilidade das fontes, o disparate circula a uma velocidade muito grande, crescendo e multiplicando-se à medida que avança. Uma boa ilustração é a notícia que vem no El País de 22 de Fevereiro passado, sob o título “Marx não disse isso”. Cayo Laro, o líder da Esquerda Unida (força política, com origem no Partido Comunista, que nas eleições espanholas de 2008 obteve quase um milhão de votos), quis sublinhar a actualidade do pensamento de Karl Marx com a leitura, numa reunião do seu Conselho Político, de uma previsão do filósofo alemão que, embora fosse de 1867, parecia ajustar-se como uma luva à actual crise económica:


“Os proprietários do capital estimularão a classe trabalhadora para que comprem mais e mais bens, casas, tecnologia cara, empurrando-os a contrair dívidas cada vez maiores até que a dívida se torne insustentável. A dívida por pagar levará à bancarrota dos bancos, os quais terão que ser nacionalizados”.
A profecia batia demasiado certo. E, quando a esmola é grande, o pobre deve desconfiar. Mas Laro, talvez por excesso de voluntarismo, não desconfiou. Desconfiaram, isso sim, muitos leitores, alguns dos quais concluíram rapidamente que a citação era falsa e que se tinha vindo a propalar pela Net a partir de um jornal satírico norte-americano. Era como se alguém tivesse levado para a reunião cimeira de um partido um texto recortado do Inimigo Público. O sítio malaprensa.com, que aponta o dedo a erros da imprensa espanhola (bem poderia o sítio tornar-se ibérico!), publicou uma nota com o esclarecedor título “Marx não era Nostradamus”. E o dirigente viu-se obrigado a pedir desculpa pelo erro.

Errar é humano e as desculpas devem ser dadas a quem, contrito, as pede. Contudo, o mais extraordinário está a seguir na notícia do El País. Um outro dirigente da Esquerda Unida não se coibiu de comentar: “Pode ser que Marx não tenha dito isso, mas decerto que o pensou”. E, tendo analisado à lupa O Capital, encontrou apenas algo vagamente parecido: “Num sistema de produção em que todo o processo produtivo se baseia no crédito, quanto este cessa de repente e só se admitem pagamentos a pronto, tem de haver imediatamente uma crise...” Marx não disse que a história se repete, primeiro como comédia e depois como tragédia. Embora parecido, disse outra coisa.

Este episódio ensina-nos, pelo menos, duas coisas. Em primeiro lugar, o enorme perigo que corre quem se dedica ao corte e cola. Infelizmente, as nossas escolas não têm feito o suficiente para dissuadir os infantes dessa prática. O "Magalhães" vai ampliar o processo de imbecilização em curso, assente no corta e cola indiscriminado. Vão proliferar entre nós os textos apócrifos, como a crónica falsa de Eduardo Prado Coelho sobre o chico-espertismo nacional ou as fontes bastante originais de João César das Neves sobre a nossa economia (inventou há tempos uma fundação alemã e um relatório dela que tem sido citado). Em segundo lugar, ensina a facilidade com que uma forte vontade pode iludir a realidade. Se não é verdade podia muito bem ser... Num filme dos Irmãos Marx, os famosos comediantes americanos, um deles diz que um quadro está numa casa ao lado. E outro responde: “Mas aqui ao lado não há nenhuma casa!” Réplica do primeiro: “Não faz mal, nós podemos construir uma”.

A propósito dos Irmãos Marx, não resisto a colar aqui um texto de Groucho, que em 1963 também previu a crise. Invoco como atenuante o facto de não o ter copiado de fonte anónima da Net, mas sim do livro Memórias de um Pinga-Amor (Assírio e Alvim, 1980), cuja autenticidade confirmei:

“Nos velhos tempos, quando as pessoas eram pobres viviam pobres. Hoje vivem ricas. Já discuti isto com inúmeros assalariados de oito-a-dez-mil-dólares-por-ano e, na maior parte dos casos, admitem que quase tudo o que possuem não lhes pertence - os automóveis, as televisões, as casas, as mobílias. A filosofia deles parece ser: Que se lixe – podemos morrer amanhã!“
http://dererummundi.blogspot.com/

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