terça-feira, setembro 29, 2009

O NEGRO E O VERMELHO

PARA UM SOCIALISMO LIBERAL E REALISTA

Carta a Karl Marx

Caro senhor Marx: consinto, de boa vontade, em vir a ser um dos términus da sua correspondência, cujo objectivo e organização me parecem ser muito úteis...
Tomarei, entretanto, a liberdade de pôr algumas reservas, que me são sugeridos por diversas passagens da sua carta.
Em primeiro lugar, ainda que as minhas ideias, no que respeita a organização e a realização, sejam, neste momento, completamente determinadas, pelo menos em relação aos princípios, creio que é meu dever, que se tornou dever de todo o socialista, conservar por algum tempo ainda a forma antiga ou dubitativa, numa palavra, professo, como o público, de um anti-dogmatismo económico quase absoluto.
Procuremos em conjunto, se quiser, as leis da sociedade, o modo como essas leis se realizem, o desenvolvimento segundo o qual conseguiremos descobri-las; mas, por Deus! depois de termos demolido todos os dogniatismos a priori, não pensemos nós em doutrinar o povo; não caiamos na contradição do seu compatriota Martin Luther, que, depois de ter arrasado a teologia católica, começou imediatamente, à força de excomunhões e anátemas, a criar uma teologia protestante... Uma vez que estamos à cabeça do movimento, não nos tornemos chefes de uma nova intolerância, não nos apresentemos como apóstolos de uma nova religião, mesmo que seja a religião da lógica, a religião da razão. Acolhamos, encorajemos todos os protestos; desanimemos todas as exclusões, todos os misticismos; não consideremos nunca uma questão como esgotada, e, quando tivermos usado até ao nosso último argumento, recomecemos, se for preciso, com eloquência e ironia.
Com esta condição, entrarei, com prazer, na sua associação; caso contrário, não!
Tenho também uma observação a fazer-lhe sobre aquela frase da sua carta: «no momento de acção». Talvez que você ainda conserve a opinião de que actualmente nenhuma reforma é possível sem um golpe repentino, sem aquilo que outrora se chamava uma revolução, e que não é, muito ingenuamente, senão uma sacudidela...
Apresento, a mim próprio, assim o problema: fazer regressar à sociedade, por uma combinação económica, as riquezas que sairam da sociedade por uma outra combinação económica. Noutros termos: transformar em economia política a teoria da propriedade, contra a propriedade, de maneira a criar aquilo a que os socialistas alemães chamam comunidade, e a que eu me cingírei, de momento, a chamar liberdade, igualdade...
Eis, meu caro filósofo, a minha posição, no momento actual; sujeito-me a estar em erro, e, se merecer palmatoadas da sua mão, a isso me submeterei de boa vontade, esperando a minha desforra...
Em suma, seria, em minha opinião, de má politica para nós, falar em exterminadores; os meios rigorosos aparecerão em número suficiente: para isso o povo não tem necessidade de nenhuma exortação!... (Carta a K. Marx, 17 de Maio de 1846.)

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