terça-feira, fevereiro 23, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

§ 1.º - A TERRA NÃO PODE SER APROPRIADA

«As terras cultiváveis deveriam ter sido compreendidas entre as riquezas naturais, visto que não são criação humana e que a natureza as legou ao homem gratuitamente; mas como esta riqueza não é fugitiva como o ar e a água, como um campo é um espaço fixo e circunscrito de que certos homens se puderam apropriar com exclusão de todos os outros, que deram o seu consentimento a esta apropriação, a terra, que era um bem natural e gratuito, tornou-se uma riqueza social cujo uso se deve pagar.» (Say, Économie politique).
Não tinha eu razão ao dizer, no princípio do capitulo, que os economistas são a pior espécie de autoridade quanto a legislação e filosofia? Eis o proto-parens da seita que põe claramente a questão: Como é que os bens da natureza, as riquezas criadas pela Providência, se podem tornar propriedades privadas? E quem responde a isso com um equívoco tão grosseiro faz com que já não se saiba verdadeiramente se acreditar num defeito de inteligência ou na má fé do autor. O que tem, pergunto-o, a natureza fixa e sólida do terreno com o direito de apropriação? Compreendo perfeitamente que uma coisa circunscrita e não fugitiva como a terra, ofereça mais garantias à apropriação que a água e a luz; que seja mas fácil exercer um direito de domínio sobre o solo que sobre a atmosfera; mas não se trata de saber o que é mais ou menos fácil e Say toma a possibilidade pelo direito. Não se pergunta porque é que a terra foi mais apropriada que o mar e os ares; pretende saber-se com que direito o homem se apropriou dessa riqueza que não criou, e que a natureza lhe dá gratuitamente.
Say não acha solução para a questão que ele próprio formulou: mas se a tivesse resolvido, se a explicação que nos desse fosse tão satisfatória como pobre de lógica, ficaria por saber quem tem o direito de se fazer pagar o uso do solo, dessa riqueza que não é obra do homem. A quem é devida a renda da terra? Ao produtor da terra, sem dúvida. Quem fez a terra? Deus. Nesse caso, proprietário, retira-te.
Mas o criador da terra não a vende, oferta-a; na sua dádiva não exceptua ninguém.
Então, entre todos os seus filhos, porque são tratados uns como legítimos e outros como bastardos? Se a iguaidade dos lotes foi de direito original, porque é a desigualdade das condições um direito póstumo?
Say dá a entender que se o ar e a água não fossem de natureza fugitiva, teriam sido apropriados. Adiantarei que isto é mais que uma hipótese, é uma realidade. O ar e a água foram apropriados não direi tantas vezes quantas se pôde, no entanto, encontrámos essa permissão.
Os Portugueses, tendo descoberto o caminho marítimo para a Índia através o cabo da Boa-Esperança, pretenderam ter a exclusividade da passagem; e Grócio, consultado nessa ocasião pelos Holandeses, que recusavam reconhecer esse direito, escreveu o seu tratado Demari libero, para provar que o mar não é susceptível de apropriação.
O direito de caça e pesca sempre foi reservado aos senhores e proprietários: hoje é confirmado pelo governo e pelas comunas a quem quer que possa pagar o porte de armas e o arrendamento. Que se regule a pesca e a caça, nada de melhor; mas que os poderosos a partilhem é criar um monopólio sobre o ar e sobre a água.
O que é o passaporte? Uma recomendação feita a todos da pessoa do viajante, um certificado de segurança, para ele e para o que lhe pertence. O fisco, cujo espírito é o de desnaturar as coisas melhores, fez do passaporte um meio de espionagem e um imposto. Não se vende o direito de andar e circular?
Enfim, não é permitido tirar água de uma fonte incluída num terreno sem a permissão do proprietário porque, em virtude do direito de acessão, a fonte pertence ao possuidor do solo, se não houver posse contrária; nem olhar para um pátio, jardim, pomar, sem consentimento do proprietário; nem passear numa cerca ou num parque, apesar de dono; ora é permitido a qualquer pessoa fechar-se, isolar-se. Todas essas proibições são interdições sacramentais, não só da terra mas dos ares e das águas. Proletários, tantos quanto o somos, a propriedade excomunga-nos: Terra, et aqua, et acre, et igne interdicti sumus.
A apropriação do elemento mais forte não pôde fazer-se sem a apropriação dos outros três: segundo o direito francês e o direito romano, a propriedade da superfície implica a propriedade do que e,está por cima e do que está por baixo:

Sem comentários: