segunda-feira, fevereiro 28, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

Proudhon: A propósito do mercado

Ter razão sozinho, em democracia, é proceder politicamente mal, pois é condenar-se à ineficiência, mas podemos assegurar por isso que o discurso que melhor se vende é politicamente justo? A democracia apoia-se no consentimento de todos os cidadãos, e não sobre o saber dos sábios, mas a invenção da democracia não é somente a duma arte de fazer prevalecer as opiniões maioritárias, é também a promoção da deliberação, do debate argumentado em vista de efectuar escolhas racionais.
Estamos longe hoje em dia de manter esta distinção necessária. Não somente a economia de mercado parece triunfar - haveria muito a dizer sobre o preço e as modalidades deste triunfo - mas ainda a lei da oferta e da procura e a justaposição dos interesses pessoais que se elevam em modelos políticos. O paradigma económico toma de assalto o paradigma político. O mercado sobre o contrato, e é doravante à luz da economia de mercado que pensamos a coisa pública, em lugar de colocar os apetites irracionais na base duma política pretensamente razoável.
Sobre as ruínas do marxismo, os liberais cantam vitória. Associando nos seus slogans a livre concurrência e a democracia, assumem o economismo mais medíocre… Não propõem eles “soluções liberais” ou o liberalismo económico exacerbado leva à secundarização do liberalismo político?
É bem o sentimento que inspira a leitura do pensador, Friedrich Hayek.
Em Droit, législation et liberté, Hayek empreende mostrar como a intervenção do Estado na vida social, com vista a nivelar as situações materiais, tende a fazer desaparecer as liberdades cívicas. Denunciando o construtivismo, quer dizer o projecto duma reconstituição voluntária da ordem social segundo os princípios da razão humana, enaltece um uso mais modesto da razão, que deve inscrever numa ordem natural, o descobrir o conservá-lo. O mercado participa desta ordem cósmica. É um mecanismo pelo qual cada indivíduo recebe informações sobre a integração possível dos seus projectos no corpo social.
É fácil reconhecer nesta aproximação um economismo e uma teoria da “astúcia da razão” em virtude da qual as iniciativas aparecem as mais despropositadas contribuem indirectamente ao cumprimento da racionalidade. Simples retorno à tradição liberal, diremos nós, mas mesmo se Hayek, explicitamente, reconhece a igualdade dos homens em direito, o seu anti-construtivismo ameaça as liberdades cívicas e políticas que pretende defender dos ataques dum Estado intervencionista. O sistema representativo, e o conjunto das instituições que se unem não são, numa perspectiva hayekena, que as formas, historicamente contingentes, da paz social necessária comércio querido. A teoria do contrato, e portanto duma autoridade soberana legítima, não é ela já suspeita por um anti-construtivismo racional?
O ultra-liberalismo Hayekiano repousa sobre uma profunda desconfiança acerca das capacidades humanas, acerca da vontade e da razão dos homens. A subvalorização de leis que presidem espontaneamente à vida económica e social - leis irredutíveis, as situações de monopólio mostram-no suficientemente bem, às únicas leis do mercado - é uma sacralização dos factos que torna absurdo toda a tentativa para instaurar uma ordem de direito. Logo que se torna neste extremismo desmobilizador, o liberalismo é nada menos que republicano.
Proudhon, preocupado em conhecer os factos para mudar a orientação do curso dos acontecimentos no sentido da justiça, estava bem longe desta renúncia, e dos seus esforços para articular, teoricamente e praticamente, racionalidade económica e racionalidade política, não perderam a sua actualidade.
Um século e meio após o artigo famoso de Pierre Leroux, “Individualismo e socialismo”, que apelava a uma nova economia política, aqueles de entre nós que o liberalismo selvagem não seduz estão confrontados à seguinte questão: É exequível ou não, tirar partido das leis do mercado para atingir fins que o mercado, espontaneamente, não procura alcançar?

Sem comentários: