quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Não gosto do senhor mas gosto do texto: "Portugal, 2015"

«Portugal em 2015 está um país muito esquisito, amorfo e ao mesmo tempo zangado; cansado e ao mesmo tempo agitado, cheio de "criadores culturais" e ao mesmo tempo ignorante como nunca; egoísta, mas incomodado pelo seu egoísmo, com má consciência. (...)

Olhe-se em volta. Nos cinemas dos centros comerciais (não há outros), a parte da Humanidade que é do sexo feminino faz fila para comprar bilhetes para ver um vago filme erótico, com chicotes e algemas, mas onde tudo é bonito, milionário, com gosto e controlado, asséptico. Parece que o sadomasoquismo chique está na moda entre as mulheres. Na verdade, não é uma grande novidade, mas presumo que os homens se interrogam sobre o que é que não tinham percebido nas suas mulheres, companheiras, namoradas, amantes e seja lá o que for. Vão continuar sem saber nada.

A crise grega entra nas redes sociais por via da roupa do ministro Varoufakis. Discute-se o blusão de couro, o cachecol, as camisas de fora ou de dentro. Não admira. Muita da nossa inteligência feminina, metrossexual e gay gosta muito de discutir roupas e ocasionalmente gatinhos. Sendo assim, não admira que tenham passado dos sapatos Prada, dos fatos Armani e Boss do nosso ex-primeiro-ministro caído em desgraça, para a discussão contínua das gravatas e terminar na mais imbecil crítica feita alguma vez a Passos Coelho, a dos fatos suburbanos de segunda. Essa gente não se enxerga mesmo. É isto segredo para alguém, indiscrição, boato, ou má língua? Não, não é. É o conteúdo habitual desse ruído moderno do Twitter e do Facebook, feito por gente que diz abominar a Caras e a Lux e faz muito pior.

O que tem mais graça, aliás o que é mais ridículo, é que esta gente que discute roupas, restaurantes e outros ademanes da cultura urbana, que fazem a Time Out ganhar a sua vida (honestamente), é toda muito de esquerda, muito de causa dos costumes, muito do social, muito modernaça. Seja dito, no entanto, que há também uma fauna de direita, muito "ajustadora", que é exactamente igual. Aliás dão-se bem e exercem activamente a boa prática do fishing for compliments, ajudando-se uns aos outros na luta pela vida. (...)

Em política, Pavlov reina como mestre de cãezinhos. É tudo tão previsível, tão fácil de identificar, tão rudimentar, tão… pavloviano. Grite-se Sócrates, Costa, Boaventura, Syriza, Bagão, Louçã, Manuela, eu próprio, os gregos, Varoufakis e logo uma pequena multidão começa a salivar nas redes sociais, nos blogues, nos "porta-vozes" oficiais e oficiosos do PSD e do CDS. Muita desta raiva vem do desespero. Os melhores dias já estão no passado e as perspectivas são sombrias. (...)

Enganam-se se pensam que são os esquerdismos do programa do Syriza que mobilizam as simpatias. É por isso que há pouca gente nas manifestações, porque elas são miméticas desse esquerdismo. Mas o que faz as sondagens maioritárias pró-gregos, a "maioria silenciosa", é a afirmação nacional, a independência, a soberania, a honra perdida das nações resgatada por um povo. É uma gigantesca bofetada nos patriotas de boca e empáfia que aceitaram tudo, assinaram tudo, geriram o "protectorado" com zelo e colaboração, e terminam o seu tempo útil servindo para fazer o sale boulot alemão.» – Pacheco Pereira, na Sábado.