sábado, maio 30, 2015

OS SINAIS DE ESPANHA

As eleições autonómicas e autárquicas em Espanha, apesar de serem consultas com características próprias e muito associadas a situações, conjunturais ou não, de índoles local e regional, traduziram uma realidade que salta aos olhos: grandes massas de cidadãos declararam-se saturados com a política bipartidária amarrada a uma estratégia única do capitalismo neoliberal.
Esta é a realidade envolvente, traduzida directamente no facto de o Partido Popular, a face governamental nos últimos anos, ter sido castigado, e a face “alternante”, o PSOE (socialistas), não ter recolhido a fatia mais grossa do chamado “desgaste do poder”.
Em regra, porém, as massas descontentes, não procuraram as forças políticas tradicionais do exterior do “arco da governação”, pelo contrário, castigaram-nas igualmente, ainda que em menor escala, e optaram por movimentos novos nascidos da mobilização aparentemente espontânea dos cidadãos. Movimentos que têm a sua génese no descontentamento com a política em geral, englobando nesta responsabilização todas as organizações que, governando ou na oposição, têm figurado nas sucessivas listas de escolha apresentadas aos eleitores.
Os “cidadãos”, conceito que por esta via adquiriu uma conotação basista, próxima da democracia pura e directa, surgiram assim como um prometedor horizonte a todos os que se declaram “fartos da política”, “cansados dos partidos”.
Uma fadiga que tem a sua razão de ser nas consequências das práticas governativas e que acaba por atingir os que têm as mãos limpas, procuram seriamente outros caminhos não testados e, sobretudo, têm propostas e uma consistência política que não estão ao alcance do voluntarismo inconsequente que espreita por detrás dos “cidadãos”.
No caso espanhol é natural o enorme cansaço dos eleitores perante as manigâncias constantes, independentes ou em conjugação, dos neofranquistas do PP e dos socialistas, desde a corrupção por atacado, à mentira como meio de fazer política, à subserviência perante os desmandos da casta monárquica, à obediência aos agentes internos e externos da especulação financeira.
O facto de a procura de alternativa ter favorecido agora os “cidadãos”, em detrimento de organizações do exterior do arco da governação é compreensível à luz do tal “cansaço” com os partidos, mas traz perigos ainda mal medidos. Em Espanha há “cidadãos” e cidadãos”. Há os “Ciudadanos”, entalados entre os neofranquistas e os socialistas que mais não são do que a versão populista da mistura destes dois, mais um segmento do arco da governação aliás namorado em permanência pelos socialistas.
E há o Podemos, que mal contados os votos estava a lançar pontes para os socialistas contra os neofranquistas – nada de estranho afinal, como muito bem sabemos eles andam aí, pululando como papoilas saltitantes, em busca das suas cadeirinhas governamentais.
O Podemos é ainda uma massa informe, que vai largando aos poucos o lastro que lhe vem agarrado das manifestações de massas contra a austeridade, contra as ingerências externas, ancoradas num descontentamento compreensível contra a prática política mas, repete-se, metendo no mesmo saco do repúdio quem deve e não deve lá estar.
Sobre os perigos que o Podemos e afins podem conter em si próprios não tarda que o tempo se pronuncie. Mas existe ainda tempo antes do tempo: aquele que está a ser aproveitado já pelo arco da governação para, num pretenso e democrático desejo de fazer a vontade aos “cidadãos”, alterar as leis eleitorais para, no fundo, perpetuar o poder do arco da governação polvilhado aqui e ali com cidadãos que lhe reforcem a legitimidade dita “democrática”.
Dentro de si, o Podemos mistura descontentamentos e, quiçá, oportunismos. A política é muito mais do que isso. É consistência para desmontar e desmascarar os que a desvirtuam e criar alternativas que funcionem. De Espanha chegaram sinais: creio que é necessário lê-los com objectividade e, sobretudo, sem ilusões e libertos das dicas envenenadas semeadas através da propaganda social.


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